terça-feira, 26 de março de 2013

MONÓLOGOS DE GIOCONDA - PARTE III

 
 
-       Está muito calado, hoje… quer que fale eu? E de quê?... De como foi estar grávida? O que há para dizer? Acontece a todas as mulheres… ou a quase todas. Era bom, davam-me sempre prioridade no mercado.
-       Se eu ia muitas vezes ao mercado? Porquê?... Se não tenho criados? Claro, mas gosto de ir às compras… Se tinha receio? Claro que não. Ia sempre acompanhada de um jovem pajem… o quê? Tem ciúmes do pajem? Quem tem direito a ciúmes é Francesco não o Leonardo.
-       De novo?... Insiste que baixe o decote… Leonardo, que lhe fiz para se atirar a mim assim, descaradamente, faltando-me ao respeito… o quê? Este sorriso convidativo e sedutor que tenho? Mas eu detesto este sorriso de mosca morta… o quê? Porque o uso? Ora, se foi você que me obrigou a pô-lo…!
-       Aborreço-me aqui, e pede-me para estar quieta. Que quer? Tenho comichão… onde? No nariz. Posso coçar?... Não? Quieta, calada e com um sorriso maroto… o vosso ideal de mulher, não é? E eu cheia de comichão…
-        E o quadro quando acaba?... Está quase? Deixe-me ver. Deixe, deixe, deixe.
-       Uhm. Vire-o para ali… O que quer? Dá-lhe a luz em cima e vejo mal… uhm, uhm… Está mal!... O que digo? Está mal. Uma porcaria. Bem me dizia a outra que era um pintor de paredes… ofendo-o? Pois se o quadro está mal… onde? Não deu pelo erro? O horizonte… o horizonte está mal. Está mais alto do lado direito do que do esquerdo… é de propósito?... Por causa do lado feminino e masculino?... porquê? Tem dúvidas?... Enganou-se foi o que foi. Agora dá desculpas.
-       Tenho os olhos inchados.
-       Porque não dormi? Não sou eu: é o quadro. Está com os olhos inchados…o quê? Há fumo? Onde?... ah, usou a técnica sfumato? E isso é que me põe os olhos inchados?... Agora é da técnica sfumato. Tenho os olhos inchados, é o que é.
-       Tenho comichão… Se baixasse o decote e subisse o peito, ficava melhor? E que tem isso a ver com a comichão?... Olhe, sabe o que digo? Pinte-se a si… Onde vou? Estou cheia de comichão e coço-me. Adeusinho.
(continua...)


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