domingo, 9 de junho de 2013

O DIA DE CAMÕES, GASPAR E A CHUVA: "À BOMBA QUE NOS IMOS ALAGANDO"

 

Dia de Portugal, o país que se celebra no aniversário da morte (início da eternidade) de um poeta.
Para um país que não gosta de ler dá jeito comemorar desta forma Camões: posto assim em altar, como a um santo, crê-se inimitável e inultrapassável, dispensando os portugueses de lerem seja o que for por nada estar à altura daquele que celebram.
Não se lendo nada, muito menos se lê Camões, até porque os portugueses acreditam que de Camões todos têm um pouco. Tivesse Gaspar, por exemplo, lido Camões, e teria previsto que o mau tempo poria em perigo a nau portuguesa, dando tempo ao governo de dar à bomba para alijar a água que foi metendo borda dentro.
 
Mas, nesse passo, assi prontos estando,
Eis o mestre, que olhando os ares anda,
O apito toca: acordam, despertando,
Os marinheiros dhua e doutra banda.
E, porque o vento vinha refrescando,
Os traquetes das gáveas tomar manda.
“Alerta (disse) estai, que o vento crece
Daquela nuvem negra que aparece!”
 
Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande e súbita procela.
“Amaina (disse o mestre a grandes brados),
Amaina (disse), amaina a grande vela!”
Não esperam os ventos indinados
Que, amainassem, mas, juntos dando nela,
Em pedaços a fazem cum ruído
Que o Mundo pareceu ser destruído!
 
O céu fere com gritos nisto a gente,
Cum súbito temor e desacordo;
Que, no romper da vela, a nau pendente
Toma grão suma de água pelo bordo.
“Alija (disse o mestre rijamente),
Alija tudo ao mar, não falte acordo!
Vão outros dar à bomba, não cessando;
À bomba, que nos imos alagando!”
(Camões: Os Lusíadas, canto VI, ests. 70, 71 e 72)


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