quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

DO EROTISMO


Nunca como hoje se tentou impingir o culto da sensualidade e do erotismo. Não que em épocas anteriores não tenha havido um culto ao prazer erótico e sensual igual ou maior, mas nunca atingiu a vulgaridade da época actual. E é ver impingirem-nos os músculos tatuados de rapazes e as curvas anafadas de moças, todos encafuados em casas ditas de segredos onde tudo se revela. A fartura só causa fastio, porque o desejo vem da fome. Tanta disponibilidade nada fará aumentar senão o número de bocejos por minuto e tremores mais não serão do que o estertor do vómito.
 Certo é que nunca aquela nudez de músculos tatuados chegará ao esplendor sensual da tshirt suada de Marlon Brando em “Um eléctrico chamado desejo”, nem as gorduras da casa dos segredos mostrarão o paroxismo erótico das rechonchudas Vénus de Rubens ou o picante das Ledas de Veronese ou Boucher.
             É na literatura, contudo, que se encontram os melhores exemplos do erotismo e da sensualidade. Se em Guillaume Apolinaire ou Sade se torna difícil distinguir entre erotismo e pornografia, em Torga, na expressão dos gestos rudes das gentes transmontanas, tal confusão nunca aparece no paroxismo da forte sensualidade telúrica. Não conheço nada melhor para despertar a orgia dos sentidos do que o brevíssimo namoro do pastor Gabriel (o próprio nome a sugerir a transgressão erótica e herética) e a filha dos patrões, uma cordeira no cio, onde não falta a bacanal espuma do vinho a ferver:
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… Em silêncio e sem se mexer, deixou-a passar para a adega, que era ao fundo, numa loja contígua. Mas apenas sentiu ‘desandar a torneira da pipa e a espuma do tinto a ferver dentro do barro lhe fez cócegas na garganta, pediu humildemente:
- Minha ama, dê-me uma pinga! - Dou. Anda cá bebê-la... Ergueu-se num pronto, saltou por cima do gado, entrou no armazém, recebeu a pichorra, levou-a à boca e começou a consolar a alma. De repente, sem mais nem para quê, a moça, calada, dá-lhe um empurrão à vasilha com a ponta do dedo. De respiração afogada e ainda engasgado, a tossir, relanceou-a toda. Ao machio, a senhora morgada!
E nada mais simples: pousou a caneca e dobrou a rapariga sobre uma facha de palha.
 
(excerto de O Pastor Gabriel, Novos Contos da Montanha, Miguel Torga)
Imagem: Vénus e Adónis, óleo de Rubens. The Metropolitan Museum of Art



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

ARIANA

 
 
Pequenina (Florbela Espanca)
 
És pequenina e ris ... A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa ...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te faz tão graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente ...
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz, suavemente ...

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!

Florbela Espanca
 
Parabéns à Ana e ao Luís.


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

ROMANCES


- Um café?...

- Não.

- Um donut!...

- Não.

- Não peças um delicioso!...

- Hum.

…………………

- Pareces lembrar-te bem dessa canção.

- Não pára de me falar ao coração.

- Tem letra, sabias?

- Aposto que é qualquer coisa sobre “amor, amor”…

- É sobre ti. É sobre ti, neste exacto momento…

 

(guys and dolls)

 

À Zé!

domingo, 13 de janeiro de 2013

ARQUITECTURA PORTUGUESA

 
Hoje não vou falar dos meus desejos para o ano de 2013, mas posso adiantar que em nenhum cabe uma carteira chanel. Também não vou comentar a situação do Zico, ou a reforma de políticos na flor da idade, e nem falar dos políticos assessorados por miúdos com salários milionários. Se pensam que será do relatório do FMI que alguém disse ser muito bom, talvez porque o inglês técnico não fosse suficiente para ler os erros lá incluídos, enganam-se.
Vou falar da iniciativa da secretaria de estado da cultura, de dedicar o ano à arquitectura portuguesa. Falar não será o caso mas tão só uma reflexão.
          É comum entender-se o objectivo da arquitectura como a construção da casa (abrigo), relacionada com o fogo (o lar) e daqui saltar-se para o altar onde se liga o céu e a terra. Mas foi ao ler um post no blogue “A Montanha Mágica” que me deparei com a melhor definição de arquitectura: a de Michel Freitag: O verdadeiro acto construtor…não foi a obra que edificou uma cabana entre as árvores, mas a que abriu e circunscreveu uma clareira na floresta.
          Ao criar a clareira na floresta o Homem construiu o espaço de reunião e decisão; O espaço do fogo; O espaço de ligação entre o Céu e a Terra.
A esse espaço chamaram os romanos “templum”, o espaço sagrado!
Em suma, não é quando o animal se refugia na floresta mas quando rompe com ela que se faz Homem, fazendo arquitectura.
No blogue que citei, o post termina com uma provocação: “esta semana quantas vezes já te apeteceu subir a uma árvore?”
Eu, lendo o que escrevi no primeiro parágrafo, e no meio desta arquitectura portuguesa, só posso responder: muitas vezes!



terça-feira, 1 de janeiro de 2013

ANO NOVO?



Começou um novo Ano e com ele a esperança de que tudo venha a ser diferente. A sala no entanto está uma desarrumação, a cozinha idem, o Xico atacou as ovelhas do presépio e o Jabir deve ter-se embebedado na taberna napolitana, pois dormiu durante toda a passagem de ano: Afinal nada de novo debaixo do Sol.

Eu, como convém a quem começa um novo ano, tomei o banho da praxe, fiz a barba (ou desfiz, como os puristas gostam), e pus aquele perfume que me ofereceram no Natal e que a publicidade afirma que nos torna irresistíveis. Nada: continuo tão irresistível como dantes.

Nada mudou e tudo continua como sempre. Até o fim do mundo que deveria ter acontecido no solstício falhou. E aí sim, é que deveria ter começado um mundo novo. Nunca percebi porque não começa o ano no solstício em vez de num dia cuja relação com o cosmos é insignificante. Se o dia começa quando o Sol está nas antípodas do lugar onde estamos e inicia a sua marcha para nós, também o ano deveria começar quando o mesmo sol chega ao ponto mais afastado do nosso hemisfério (os do Sul que me desculpem mas os próprios Maias habitavam a Norte) e inicia a sua marcha na nossa direcção.

Talvez que se o novo ano tivesse começado no solstício passado, o mundo teria acabado dando oportunidade a que começasse um novo.

É que todos já vimos que o que temos não está bem e um novo precisa-se.

Em vez das palavras de boas intenções que se costuma dizer por esta altura: vamos construir um mundo novo; não seria melhor começarmos por destruir este que temos?

O que querem? Acordei niilista este ano.
 
Pronto: Um Bom Ano para todos...