sábado, 29 de novembro de 2014

NÃO SÃO TODOS IGUAIS

 

Custa-me ver o paladino da democracia e da ética republicana clamar, numa postura ofensivamente aristocrática, mais preocupada com o “processo” do que com os indícios, as detenções que afectam amigos e correligionários, gritando sempre alto e em bom som que todo o povo pensa como ele, como se a brisa suave que corre pelo Campo Grande igualasse os ventos frios do Marão. Como se o majestático epíteto do absolutismo fosse agora: Le Peuple c’est moi.

A ética desta república esqueceu-se de que à mulher de César não basta ser honesta mas que é preciso parecer, e quando um político não parece honesto, embora o seja, é porque a sua conduta fere de algum modo a tão apregoada ética republicana. Os que rasgam as vestes por causa das humilhações públicas dos seus correligionários deveriam tê-las rasgado quando a parecença de honestidade deles era posta em causa, tornando-se, isso sim, uma humilhação para todos. As instituições democráticas beneficiariam.

Num tempo em que o Povo desacredita das instituições democráticas por causa dos maus políticos, é necessário lembrar, não os que enchem a boca com a ética republicana, mas os que a aplicaram todos os dias da sua vida. E Portugal e a democracia conheceram, felizmente, dois desses políticos: Maria de Lurdes Pintassilgo e Ramalho Eanes.

Lurdes Pintassilgo e Eanes fazem parte do grupo de políticos a que pertencia Thomas Moore: os que vivem de acordo com as convicções que pregam, procurando sempre o bem da comunidade e não as benesses dos cargos que ocupam, vivendo no silêncio do dever cumprido. Além deste grupo de políticos, que desejaríamos fosse o único, existem outros dois: os que trabalham de igual modo para o bem da comunidade mas que se aproveitam de todas as benesses que consigam obter com o cargo, e um terceiro grupo, o daqueles que só se aproveitam e não cuidam do bem comum. Os destes grupos falam sempre de altos púlpitos enchendo o vazio com as suas orações à ética republicana. Por isso têm razão os que dizem não serem os políticos todos iguais. Resta saber com quem se desiguala quem o diz.

Assim como não basta apregoar a ética republicana também não basta falar na desigualdade dos políticos se não parecerem diferentes.

 
Ninguém é mau, e quanto mal foi feito.
Vitor Hugo


sábado, 22 de novembro de 2014

VERGONHA

 
Sinto-me envergonhado! A detenção de um ex-primeiro ministro do meu país e um antigo aluno da minha escola de Coimbra deixa-me envergonhado.
Não me faltavam temas para plasmar nestas minhas presuntivas crónicas: a morte de Cayetana, a estupidez dos políticos que não conhecem o tempo e o modo para as decisões que tomam, a birra infantil de um deputado guindado a presidente de uma comissão, a excelente requalificação ribeirinha de Lisboa por onde ontem me passeei… não me faltavam os temas até que a noite me trouxe esta vergonha. Ver um ex-primeiro ministro ser detido.
Se troquei com Sócrates três palavras já foi muito. Lembro de me ter pedido qualquer coisa sobre um trabalho quando frequentávamos a mesma turma em Coimbra. Sócrates voava sempre por cima das nossas conversas e interesses de adolescentes serôdios, mas é sempre uma vergonha ver um ministro, e antigo aluno da nossa turma, ser detido.
Mas para quem se sente empolgado com a notícia sempre lembro que o poder corrompe mais que o jogo ou que as mulheres (já li em qualquer lado). Se um deputado usa o seu estatuto para abrir portas, imaginem o portão que consegue abrir sendo primeiro-ministro! Qui potest capere, capiat…



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A LEGIONELLA E OS COMETAS

 

Há alturas em Portugal que os políticos, como aves necrófilas, aproveitam a morte e a desgraça dos outros para alimentarem querelas estéreis. O ministro da saúde, que juntamente com os responsáveis políticos e técnicos da área demonstrou um grande sentido de responsabilidade e eficiência durante o surto da doença do legionário que afectou a zona de Vila Franca de Xira, resolveu manchar o bom trabalho fazendo o que me pareceu, nada mais nada menos, uma chantagem sobre os enfermeiros, apelando ao fim da greve por causa da desgraça provocada pela legionella: ou aceitavam o seu repto ou tinham a população contra eles, ficando ele, o ministro, bem colocado na fotografia. Como se as greves dos enfermeiros alguma vez tivessem posto em risco os cuidados de saúde necessários no internamento e na urgência dos hospitais. Como se as más políticas no sector da saúde não fossem muito mais graves para a saúde de todos nós do que as greves de um sector tão maltratado. Por sua vez, os políticos da oposição afiaram o dente para se atirarem ao governo culpando-o das mortes e do surto, provocados, no seu entender, pelas alterações legislativas que eles, distraídos com discussões sobre bustos de presidentes ou sobre se os rapazes devem ou não continuar a fazer xixi de pé, se esqueceram de criticar na altura e momento dessa alteração. Os que morreram e os que adoeceram não mereciam tal espectáculo.

Passou despercebida, e compreende-se, a descida de uma sonda europeia sobre a superfície de um cometa. Muitos acharão o dispêndio de dinheiro destes programas uma futilidade. Se pensarmos que os cometas poderão ter sido o veículo que trouxe à Terra os ingredientes químicos necessários à vida, percebemos que o seu estudo poderá ser de superior importância na compreensão do processo da vida, do qual aquela bactéria conhecida por legionella faz parte. A eficiência demonstrada pelos nossos técnicos no estudo e resolução do surto de Vila Franca de Xira e o sucesso daquela viagem ao cometa demonstram bem a importância primordial que devemos dar à educação e à investigação. Talvez fosse bom que o ministro da Saúde lembrasse isso ao seu colega da Educação em vez de arengar contra os enfermeiros. Talvez fosse bom pensar que a sangria da nossa inteligência em direcção ao estrangeiro é muito mais perigosa que uma greve.

E a semana trágica continuou, como se os antigos tivessem razão que os cometas só trazem desgraças. Morreu um Poeta e um Nobre: Manoel de Barros e Fernando de Mascarenhas. Um brasileiro a quem a língua portuguesa deve e um português que nascendo aristocrata se revestiu de nobreza com o exemplo da sua vida, demonstrando que a ética não é monárquica nem republicana. Ficámos todos mais pobres.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
           
Manoel de Barros
1916-2014



sexta-feira, 7 de novembro de 2014

TIMOR - da incompetência e da cortesia

 

O advogado Morais Sarmento disse na televisão que devíamos ser prudentes e não fazer juízos precipitados sobre os motivos de uma certa expulsão de certos magistrados a quem apelidaram de incompetentes: Imaginem o que seria virem para cá juízes estrangeiros dizerem que nós não prestamos! – foi mais ou menos assim que rematou o ex-ministro. Esqueceu-se de dizer que quem convida juízes estrangeiros para exercerem tarefas na sua terra deve esperar deles justiça e não cortesia, que para isso servem os embaixadores. Acresce lembrar que a justiça ou é imparcial ou não é justiça.

Quanto à incompetência é evidente que a mesma é suficientemente democrática para se distribuir equitativamente pelos vários povos e cargos. Do Minho a Timor, como se dizia no meu tempo de escola. Há incompetências originárias e incompetências adquiridas e umas são boas e outras más. Por exemplo: Em democracia, um parlamento é, de origem, incompetente para decidir se os juízes o são ou não. E isso é bom porque obriga à separação de poderes! Mas quando um parlamento aprova a atribuição de carros de luxo a todos os deputados, (num país onde a maioria das estradas estão em muito mau estado), e aprova um regulamento em que expressamente recomenda aos deputados que devem cumprir o código da estrada e conduzir devidamente encartados, adquire uma incompetência escandalosa pondo a nu a incompetência dos deputados que necessitam de um regulamento para saberem que estão obrigados ao cumprimento das Leis. E isso é muito mau!
No que se refere à cortesia, resta lembrar que um país que não se pôs ao lado dos poderosos que não admitiam o nascimento de outro país pequenino e frágil e que, à falta de melhores meios para defender aquele nascimento, colocou um antigo presidente da república numa pequena embarcação para fazer frente à armada de um desses países poderosos, merece, pelo menos, não ser insultado pela atrapalhação do primeiro ministro do país que nasceu apesar de tudo.