sexta-feira, 21 de agosto de 2015

FOMOS A CEUTA. E DEPOIS?


Ceuta foi um disparate! Correu bem ao princípio mas foi um disparate e faz hoje 600 anos que D. João I conquistou a praça africana e ainda não ganhámos juízo. O que nos fez rumar a Ceuta, trinta anos depois de Aljubarrota, é ainda tema de discussão e debate. A cidade era tão grande como Lisboa e riquíssima, o que à partida podia justificar a coisa. Por ficar na base de uma das colunas de Hércules, separando o mundo antigo do mundo novo, foi azo a que todas as teorias sobre a gesta dos descobrimentos se abrissem à discussão. Muitos disparates se disseram e muitos se hão-de ainda dizer. Ficou assim a modos como a mística para o Benfica!
O país estava em crise e com falta de dinheiro (onde é que eu já ouvi isto?) e o ministro das finanças da altura, João Afonso, teve a ideia de irmos pilhar Ceuta. Convenhamos que sempre é melhor do que pedirmos ao FMI que nos venha pilhar a nós. Podia ter escolhido Granada que também era terra moura e na Europa mas encontrava-se no território de caça castelhano e não convinha. Resolvia-se assim a crise financeira do país com uma grande empreitada pública o que demonstra que o bloco central já governava o país na altura, e nunca deixou de o fazer.
Diga-se em abono da verdade, e para fazer cócegas ao ego, que o empreendimento foi bem planeado e mantido em segredo, o que foi a chave para o sucesso, que na altura não havia facebook nem twitter. A arraia-miúda dos navios só soube ao que ia quando aportaram a Lagos, que ao tempo não era ainda destino para o divertimento dos portugueses.
Apesar de muito bem planeado não podemos deixar de considerar que aquilo foi a loucura total. Meter-se o rei com os três filhos mais velhos à briga com os mouros, deixando o país entregue às mulheres e crianças com os espanhóis acampados em Badajoz, é, sem sombra de dúvida, um grande disparate. Correu bem, mas podia ter sido o desastre.
Podia ter sido de outro modo? Podia, mas não era a mesma coisa. Se tivéssemos deixado ficar quietos com o país estendido aos areais do Algarve, era mais sensato mas talvez Portugal já hoje não existisse, se é que ainda existe. Quando nós não sabemos o que fazer com o país, vamos lá para fora, que é fórmula antiga mas que o governo actual também aconselha.
O disparate foi, contudo, sancionado e abençoado pela rainha a quem era devida a última palavra, que não é sem razão que as mulheres em Portugal têm bigode. Embora fosse a única com algum juízo, era adepta do Manchester United e, tal como o seu filho, o tripeiro Infante D. Henrique, não gostava de mouros. Quando se apercebeu do disparate finou-se a poucos dias da largada dos veraneantes o que fez temer pelo sucesso da expedição.
Se o plano foi bem gizado já o desembarque foi, como é costume entre portugueses, a obra prima da indisciplina e da falta de controle dos nervos que não somos jogadores de póquer mas de bola. Os mouros, que não contavam com tanto turista, puseram-se a fazer facécias na praia enquanto os portugueses ferviam dentro dos barcos. Venham cá se são homens, diziam os mouros, e o João Fogaça, que era homem com tudo no sítio, não vai de modas e atira um batel à água com um punhado de homens. Estavam os mouros ainda a meio dos salamaleques a receber os convidados e já Rui Gonçalves mandava uns tabefes a uns quantos. O príncipe D. Duarte, que ajudava o pai a vestir a armadura de gala porque um rei é rei e não põe o pé em África de t-shirt e chanatos, mesmo sendo verão, deixou o pai a braços com a cota de malha e faz-se a terra para a zanguizarra. O infante D. Henrique, moço ainda novo, temendo que não chegasse para ele manda tocar as trombetas porque não há arraial português sem foguetório e sem filarmónica, e desembarcam os portugueses todos à uma que é como quem diz, todos ao molhe e fé em Deus, o que levou D. João I, ainda sem os guantes calçados, dizer para o filho, o infante do meio – Ó Pedro, mas afinal quem é que manda aqui?!
Foi uma limpeza. A cidade era, como prometido, riquíssima e o esbulho valeu a pena. A mesquita foi consagrada a Nossa Senhora de Assunção e logo ali içaram nos minaretes os dois sinos que encontraram nos restos de umas lembranças que os mouros tinham trazido de uma visita que fizeram à feira de Lagos. Foi tudo tão rápido e animado que o alcaide mouro, o sensato e simpático Salath Ben Salath pôs-se ao fresco não sem antes dizer que estivessem à vontade como em vossas casas, o que muito decepcionou o Infante D. Henrique que queria uma selfie com o pessoal todo junto.
Quem foi a Ceuta enriqueceu mas depois é que foram elas. Um pouco como nós com a Europa. Ficámos ricos mas depressa chegou a hora de pagar. Aquilo para se manter era pior que a televisão pública e o país não aguentava. As caravanas africanas passaram a levar a mercadoria a outros portos e a cidade empobreceu. Os piratas berberes passeavam ao largo do Golfo de Cadiz divertindo-se com quem descia o Guadalquivir, e não entravam no Mediterrâneo. Por sua vez turcos e venezianos entretinham-se uns com os outros e não passavam ao Atlântico. Em Ceuta aborrecia-se de tédio e foi causa para que os macacos aproveitassem e passassem a Gibraltar. Foi um desastre. Soubemos lá ir mas não conseguíamos sair por vergonha. Os espanhóis acabaram por ficar com aquilo até hoje como fizeram com Olivença.
Fomos a Ceuta, e depois? Aprendemos alguma coisa? Acho que não.

4 comentários:

  1. Somos tão bons que não precisamos de aprender nada.
    Até foi um tuga a inventar a selfie ahahahhaha.

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    1. O que nos salva é termos a Nossa Senhora como nossa rainha, e que olha por nós (desconfio que ultimamente anda um pouco distraída), porque senão....

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  2. Contada a história assim até parece que o rectângulo luso ainda é o maior da Europa. Valha-nos São Cacos da Cerâmica! Como dizia o outro "Basta Pum Basta, Pim".

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    1. Caro anónimo,
      eu sei que a vontade de partir tudo em cacos é muita, mas sinto alguma violência excessiva nessa glosa do Almada! Dos rectângulos europeus, o luso é sem dúvida o maior.

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