sábado, 28 de novembro de 2015

A COR DO GOVERNO


     Preocupar-se alguém com a cor dos ministros, seja para o acinte disfarçado de coolness, seja para a defesa das minorias com tiques de movimento nacional feminino, traz-me à memória aquele sketch da televisão inglesa em que um gay exuberante grita aos quatro ventos a sua condição de “único gay da aldeia”, constantemente desmentido pela realidade. Who cares?
      Vem isto a propósito da nomeação de uma ministra negra, uma ministra cega e um ministro de ascendência cigana. A ministra cega talvez causasse alguma perplexidade, e depois curiosidade, entre a população, pois nunca se “viu”, apesar de a maior obra literária mundial ser de um cego. Quanto ao ministro “cigano” ninguém daria por ele não fosse o caso de gostar de se afirmar como tal, um pouco ao jeito do “gay da aldeia”. A ministra da justiça, ao contrário da personagem da série que citei, é uma mulher circunspecta e pouco dada aos holofotes e às luzes da ribalta. Julgo que ninguém da população pestanejou sequer com a sua nomeação. No entanto, alguns jornais, estrangeiros até, gritaram aos quatro ventos a circunstância de ser negra. Uns exaltando a justiça que foi feita, outros com observações acintosas. O primeiro ministro apanhou por tabela pois a circunstância de ser de origem indiana torna-o num não branco, não se fazendo caso das classificações racialistas do século passado que incluíam os indianos no grupo dos caucasianos. Contra as invectivas insultuosas terçou armas a esquerda bem pensante. Foi pior a emenda que o soneto. Não conheço nada mais insultuoso que a complacência dos bens pensantes (a melhor resposta que vi ao Tintin no Congo não foi a sua proibição, mas um cartoon em que um enorme negro sodomiza o pequeno jornalista. Se fosse eu que mandasse, o Tintin no Congo seria sempre vendido desde que incluísse a oferta daquele cartoon).
       Os negros são de Lisboa muito antes da vinda dos retornados. As confrarias de negros de Lisboa remontam ao século XV. Filipe I de Espanha apreciava ver, do paço da Ribeira, os negros de Lisboa. Gil Vicente tem numa negra talvez a sua mais bem conseguida personagem. Na primeira ópera cantada em português, com o sugestivo nome de “A Vingança da Cigana”, um dos seus personagens é o negro folgazão de nome “Chibante”. A música é de Leal Moreira mas o libreto é de Domingos Caldas Barbosa, um mulato brasileiro filho de um branco de Portugal e de uma negra de Angola. E é este mulato que escreve um texto gozando o sotaque do negro da Guiné. Tudo isto no século XVIII entre os frequentadores de São Carlos, o sítio mais “branco” da cidade, e onde um século depois as damas lisboetas suspiravam pelo príncipe Godide, filho de Ngungunhane, que traz ainda descendência pelos Açores.
      O maior vulto das letras portuguesas do século XVII é um mulato, bisneto de uma negra: o padre António Vieira. O marquês de Pombal era neto de uma índia e a família real portuguesa descende do profeta Maomé e de judeus. Não é de origem etíope porque se gorou o plano de fazer casar D. Manuel I com uma princesa do reino do Prestes João. Podia afirmar, sem engano, que todos os lisboetas são mulatos, como os mulatos Almada Negreiros, Eusébio, Simone de Oliveira e o Cristiano!

       O escrutínio rigoroso da genealogia mais recente dos nossos ex-ministros evitaria o disparate de frases jornalísticas como: “até agora foram sempre brancos”…! Uma ministra de nome holandês e de cor negra, no governo de um goês, só pode causar espanto, desagrado ou euforia, a quem desconhece a existência de imperadores romanos negros, a história de Portugal ou nunca ouviu falar de Afonso de Albuquerque. Parafraseando Morgan Freeman, digo que a História dos Negros é a História de Portugal.

domingo, 22 de novembro de 2015

INCERTEZAS DE UM PRESIDENTE BIZANTINO

A futilidade de manter um blog activo manifesta-se com toda a crueza em momentos como este. O mundo está em profundo estado de transformação e a sensação de que algo muito importante está a acontecer sem que ainda saibamos o que é e quais as suas consequências, limita-nos a escrita. Não posso, no entanto, deixar de manifestar que, perante a grandiosidade dos acontecimentos recentes, saber quem será o ministro que nos vai cobrar os impostos é-me absolutamente indiferente. Haver alguém em Belém que arrasta em demasia o processo, entre repastos de bananas, parece-me um exercício grotesco de auto glorificação demasiado bizantino para o meu gosto.
No estupor em que fico, agravado pela eliminação do Benfica da Taça, encosto a cabeça à janela para ouvir a música da chuva tarimbolando nas vidraças, e descubro que hoje é o dia de Santa Cecília, padroeira da música. Por isso, à falta de melhor prosa, aqui deixo a belíssima escultura de Stefano Maderno que tive ocasião de ver, junto ao actual túmulo de Cecília na basílica de seu nome construída sobre a sua casa no bairro romano de Trastevere. A escultura representa a forma como o seu corpo incorrupto foi encontrado nas catacumbas de São Calisto 1400 anos após a sua morte. Cecília foi martirizada por ser cristã. Depois foi decapitada, “benesse” concedida por ser patrícia romana.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

O MINISTRO, DEUS E O DEMÓNIO


Não é segredo para ninguém que Deus nem sempre é nosso amigo. A prova está no ministro Calvão da Silva que o afirmou, ali frente às câmaras da TV. Homem culto (é professor catedrático da Universidade de Coimbra), leu certamente o extraordinário livro de Job onde se conta que Deus autorizou o Demónio a atormentar o pobre Job que, fiel e cumpridor, nada fizera para desmerecer a amizade divina. Ora se Deus permitiu que o Demónio atormentasse a paciência do pobre e bondoso Job porque não haveria de permitir que todo o exército demoníaco fosse atormentar os pobres algarvios que à revelia de todo o bom senso destruíram a criação de Deus para recriarem um purgatório turístico? Na verdade, Deus permitiu que o Demónio abrisse as torneiras do Céu mas convenhamos que a culpa da inundação é todinha humana, isto se considerarmos humanos, os decisores políticos que permitiram a destruição de uma zona que era da ribeira e, por assim dizer, criação divina.
Isto de Deus andar mancomunado com o Demónio para nos atormentar teve o lindo resultado de vir agora o ministro aconselhar à feitura de seguros, que todos sabem ser coisa demoníaca, e que não devemos, nós, pobres crentes, confiar na amizade divina, o que para mim soa a blasfémia, para não dizer heresia. A fazer as vontades ao Demónio, não Lhe calhe fazer a vontade a Antero de Quental e autorizar que o Demónio incendeie a Universidade de Coimbra na esperança que assim consiga alumiar alguém, ou pelo menos o ministro que é professor. É que o ministro a gente ainda aguenta porque é por pouco tempo, agora o professor catedrático!? É que nem toda a paciência de Jó!