domingo, 28 de maio de 2017

O CHÁ DOS ESPOSOS


A chamada foto das “primeiras damas”, comum em encontros dos e das representantes dos governos, é ridícula e um gasto desnecessário e abusivo do dinheiro dos contribuintes. Tem como única função mostrar aos contribuintes com quem os seus representantes estão autorizados, sem escândalo, a deitarem-se nas suas camas e quem se pode gabar de ter a/o mais dotada/o. Ridículo é o mínimo que se pode dizer. E mais ridículo é quando os/as representantes dos governos se reúnem em cimeira de uma organização de guerra, como a NATO, tornando a foto da representação conjugal numa patética alegoria de Vénus e Marte. Já nos bastava a triste figura de o presidente de uma das grandes repúblicas do planeta se passear pelo Mediterrâneo e Europa acompanhado da esposa deixando o mundo inteiro suspenso de um dar de mãos conjugal.
Seria de esperar que tornando-se o casamento igualmente homossexual e heterossexual, acabassem estas representações das primeiras damas, já que não acabaram quando as mulheres assumiram cargos de poder, mas era pedir demais a quem se esforça, e muito bem, por aproveitar a oportunidade. E assim, a presença de Gauthier Destenay, cônjuge do primeiro ministro luxemburguês, foi notícia de primeira página a propósito da ridícula foto das “primeiras damas”, ganhando pontos para a causa LGBT.
Se a presença de um homem naquela foto foi notícia, também a ausência de outro homem deveria ter sido. É que o marido de Teresa May não esteve presente. Será que Philip contaria anedotas do Churchill sobre os Curdos a Madame Erdogan? Teria o Reino Unido a oportunidade para exercer alguma influência na cabeça dura do Trump, se Melania pudesse sorver o seu chá na companhia de Philip May ocupado a trincar waffles belgas? Será que as negociações sobre o Brexit seriam diferentes se Gauthier e Philip pudessem ter disputado o último chocolate belga do prato? 

domingo, 21 de maio de 2017

CARTA DE LONDRES


A Union Jack flutuava sobre Buckingham palace, significando que Sua Majestade estava ausente, o que considero desconsideração por quem, como eu, visitava Londres 14 anos depois da primeira vez. No Hyde Park gozava-se e aproveitava-se a tarde de um domingo soalheiro. De Hyde Park a Buckingham foi o tempo de o dia anunciar o crepúsculo com um aguaceiro de fim de tarde de domingo a despejar Saint James’s park, deixando vazias as cadeiras de lona, enquanto casais de namorados aproveitavam o aconchego de um único chapéu de chuva. Londres, como num postal!
Mayfair, Soho e Convent Garden continuam iguais a si próprios, excepto pela obsessão mimada por comer saudavelmente que vai invadindo tudo e todos. A globalização destruiu o charme e o glamour destes locais. Pode-se comprar loiça das Caldas em Mayfair e as lojas do Soho têm sucursais nas nossas cidades de província. Os alfaiates de Saville Row entram-nos em casa, todas as manhãs, nos casacos do Goucha.
Elephant and Castle, onde ficámos, Peckham e Brixton a revelarem-se um postal londrino pouco turístico mas mais antropológico. O pub londrino onde jantámos em Peckham, não podia ser mais inglês, apesar da multietnicidade, parecendo saído de uma sitcom sem visitas de uma qualquer ASAE. Nestes bairros a integração parece uma possibilidade, mas não é assim noutras zonas periféricas da cidade, e no centro habita o mundo inteiro. Foi uma mulher de hijab quem nos conduziu, num New Routemaster, até Camden que, com a cultura punk extinta, já não intimida um rapaz provinciano como eu, e é hoje um repositório de memorabilia para turistas.
Passeando pelos canais de Londres, desde Camden até King’s Cross, aprecie-se o excelente e novo projeto urbanístico de recuperação e reabilitação das velhas estruturas metálicas dos gasómetros: o Gasholder Park. E falando de urbanismo não esquecer o excelente trabalho feito, há algumas décadas, em Barbican, bem no centro de Londres, e o que se prevê para a recuperação das áreas degradadas de Elephant and Castle.
Mas é a City que mostra toda a sua pujança, apesar do Brexit. As torres constroem-se como cogumelos, fazendo sombra ao Lloyd’s e ao 30 St Mary Axe (supositório) que já mal se vê ao lado dos gigantes desta década, sem respeito por cérceas ou distâncias seguras em caso de sinistro. Mas é um prazer visitar as praças e prédios de Broadgate onde a Vénus de Botero mostra a sua gorda beleza em jeito de símbolo burguês do poder económico. É aqui que o contraste entre o pobre e popular bairro “fora de portas”, como Whitechapel, e o moderno centro financeiro nascido na velha cidade romana se faz sentir, na distância que separa os dois lados de uma rua.
Sem contarmos com os semáforos de Trafalgar square a apelar à inclusão homossexual e transgénero, e dos novos símbolos transgénero dos sanitários do Tate Modern, Londres tem uma nova atracção, já com cinco anos de idade, e não fica na City nem em Mayfair, mas em Southwark: Um estilhaço de vidro apontado ao céu, The Shard, é o belíssimo arranha céus do italiano Renzo Piano, que nos acolheu logo à chegada.
Londres continua a mais viva, moderna e vibrante cidade europeia.