sábado, 29 de julho de 2017

GASTRONOMIA BÍBLICA 3 - PARREIRINHAS À NOÉ



 Génesis 9, 3: “Tudo o que se move e tem vida servir-vos-á de alimento; dou-vos tudo isso como já vos tinha dado as plantas verdes.”
Génesis 9, 20: “Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar a vinha.”
Depois de Caim ter morto Abel as coisas não correram muito bem para a humanidade que se começou a portar muito mal (onde é que eu já ouvi isto?). O bom Deus, deprimidíssimo, decidiu afogar aquilo tudo e mandou que se abrissem as torneiras do céu. Isto do Dilúvio é uma história da treta, etc, e tal, dizem pr’ái uns entendidos. A lenda é assíria e suméria, que nos fala do Gilgamesh, como nós falamos do Noé. O certo é que até os gregos e os romanos têm uma história do dilúvio, mas em vez de uma família dentro de um barco puseram dois homens com os ossos de suas mães. Só mesmo os gregos, tá bom de ver. Chamavam-se Decalião e Pirra e quando foi preciso povoar a Terra, atiraram com os ossos das mães para trás das costas e assim a modos que uma clonagem, nasceram homens e mulheres. Se os gregos corroboram esta catástrofe planetária com  patetices (dois homens num barco, onde é que já se viu) já os Maias, do outro lado do mundo, falavam muito seriamente de um dilúvio universal. Certo, certo é que os cientistas dizem que sim senhor, pelo menos no Crescente Fértil, a coisa aconteceu.
Quando Noé e a família saíram da arca, estava tudo destruído e naquele ano não houve colheitas. Não teve outro remédio o Senhor Deus senão a autorizá-los a comer carne, mas sem o sangue! E pronto, foi o fim dessa chatice de vegans e outros aborrecimentos.
Não vos trago uma receita de carne, ainda, pois o estômago delicado de Noé suportava mal aquela novidade. Farto de tanta água, o patriarca não se lembrou de outra coisa que não fosse pôr-se a plantar uma vinha. Dizem as más línguas que a cultura dos cereais não se deu para fazer pão, mas cerveja, embora os lusitanos a fizessem das bolotas. Noé, que era agora um cavalheiro, inventou o vinho e apanhou uma carraspana que teve consequências que chegaram a explicar o apartheid na África do Sul, mas isso são outras histórias.
Ora a mulher de Noé (não lhe sabemos o nome que naquele tempo ainda não havia igualdade de género) era muito poupadinha e enquanto o marido se embebedava talvez se tenha lembrado de aproveitar as folhas das videiras para criar um prato famosos em todo o Médio Oriente. A receita que vos trago é da Arménia, em cujas encostas nasceu a primeira vinha da história porque foi ali que encalhou a barca, e quem sabe se a receita não é desde os tempos da famosa arca.
Este prato chama-se dolmades e costumam pôr arroz, que talvez tenha substituído a cevada, pois seria o mais adequado nos tempos de Noé em que ainda não havia essas chinesices. Também podem acrescentar carne picada que agora já é permitido. No recheio ou à parte.
Antes de sulfatar, colha algumas folhas de videira e reserve (também pode comprar de conserva). Frite, sem queimar, bastante cebola, depois junte a cevada a dourar ligeiramente, a seguir salsa picada, endro picado, hortelã picada, passas, paprika, especiarias e pinhões. Misture bem e deixe cozinhar um pouco acrescentando uma pinga de água. Se usar arroz não é preciso cozinhar que ele irá cozer depois. Cubra um tacho com folhas de videira picadas para evitar que os dolmades queimem. Esquente um pouco as folhas de videira. Eu aconselho mesmo a cozê-las um pouco num tacho com água, pois são muito duras. Coloque uma folha de videira com a parte áspera para cima e o pé virado para si. Coloque uma colher da mistura junto ao pé e comece a enrolar os dolmades, começando por enrolar o pé sobre a mistura, depois as laterais para dentro e só depois enrola o resto, para que fiquem bem presos. Repita para as restantes folhas e coloque-as no tacho com a última dobra para baixo. Coloque um prato por cima para que os dolmades não fiquem a boiar. Acrescente sumo de limão e água até atingir a borda do prato. Cozinhe em lume brando durante hora a hora e meia (as folhas são muito duras como disse). Deixe esfriar no tacho sem lhe retirar o prato. Pode servir com quartos de limão, ou com um molho grego de ovos e limão em honra dos dois rapazes que ficaram sozinhos num barco, e que é muito parecido com o nosso molho para um fricassé, ou com molho de iogurte ou natas.
Desçam à adega a chamar o Noé para que a “touriga nacional” não lhe caia na fraqueza.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

AS OPINIÕES DE GENTIL MARTINS SÃO MAIS DISPARATADAS DO QUE AS DOS PSIQUIATRAS?


Em 1948 a OMS passou a incluir na lista de doenças a homossexualidade, como personalidade patológica, apesar de Freud. Até aí todos fugiam à polícia que era quem usava os métodos profiláticos para o caso. Tinha Gentil Martins 18 anos.
Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria considerava a homossexualidade como uma desordem, apesar de Freud. Era uma opinião dos psiquiatras, como são, em regra, as conclusões dos psiquiatras, opiniões, apesar de Freud ter opinião contrária. Tinha Gentil Martins 22 anos e ainda não opinava.
Em 1965 a OMS tirou-a de personalidade patológica e transitou-a para desvio e transtorno sexual. Uma questão de design, talvez. Vivíamos em plena revolução sexual e cantávamos todos em coro com os Rolling Stones I can’t get no satisfaction. Todos doidinhos, está bem de ver. Tinha Gentil Martins 35 anos.
Em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria, deu o dito por não dito, e retirou-a da lista das desordens mentais. Tinha agora outra opinião, dizia-se, e o jornalista Guilherme de Melo suspirava de alívio, e não só, a entrevistar os soldados na guerra colonial. Tinha Gentil Martins 43 anos.
Em 1977 a OMS ainda a incluía na lista de doenças como doença mental, apesar da opinião contrária dos psiquiatras, mas nós, que já éramos, a maioria, uns homenzinhos e umas mulherzinhas, na loucura da liberdade sexual, marimbávamos para as listas da OMS que nem sabíamos existir. Tinha Gentil Martins 47 anos.
Em 1990 a OMS retirou-a da lista das doenças, depois de muita pressão, assim a modos que a pedido de várias famílias. Tinha Gentil Martins 60 anos, e tinha mais que fazer do que estar atento às listas da OMS.
É Gentil Martins quem tem de se sentar no banco dos réus por manter a mesma opinião que os psiquiatras, sem qualquer sustentação científica e contrariando o seu mestre, declaravam em 1952?

domingo, 16 de julho de 2017

HOMOSSEXUALIDADE, COISA OU ANOMALIA?


Gentil Martins, reputado cirurgião, emitiu uma opinião disparatada, não muito diferente daquela outra de Cunhal quando, referindo-se ao mesmo assunto, disse ser “uma coisa muito triste”, o que ninguém diria quando toda a gente sabe que o petit nom da “coisa” para um, e “anomalia” para outro, é alegria (gay). Que Gentil Martins não tenha tido tempo para uma instrução e cultura mais clássica que lhe evidenciasse a normalidade da “anomalia” percebe-se, já Cunhal, com uma preparação clássica notável, podia ter evitado a tristeza de tamanha falta de conhecimento sobre os alegres prazeres dos deuses.
O que também não se percebe é o ajuntar de lenha para os lados da Gago Coutinho quando toda a gente sabe que os autos de fé se faziam no Rossio ou no Terreiro do Paço.
A opinião, mesmo que disparatada, julgo eu, ainda é livre, e parece-me anómalo alguém andar à escolha de um sambenito para vestir ao gentil médico, quando se sabe que a inquisição já acabou vai para dois séculos, e será difícil encontrar exemplares nos armazéns da baixa, mesmo em época de saldos, e Santa Comba Dão fica fora de mão.


Imagem: bustos do imperador Adriano (um dos melhores que Roma teve) e do seu amante Antinoo a quem Pessoa dedicou um poema em inglês. No insuspeito? museu do Vaticano.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

CÃO DE GUARDA


Después de conocer el Ejército que cuida de Tancos, si el índice Global de Paz 2018 no le da el primer premio a Portugal, será una injusticia de armas tomar.
Javier Martin no El País de 4/07/2017


Na casa da minha infância havia um cão aparentemente dócil. A quem entrasse pelo portão o Piloto lá estava para o receber com meiguice, o pior era sair. O Piloto rodava e rosnava à volta do penetra até que chegasse alguém da casa e ordenasse ao cão que o deixasse sair.
Veio-me à lembrança o cão da minha infância a propósito deste texto do El País sobre o roubo do paiol de Tancos. Deve o Sr. Embaixador informar o diretor daquele prestigiado jornal que é sempre assim em Portugal. O trabalho é sempre bem feito e sem desleixo, que Portugal é um país europeu e, como muito bem dizem, pacífico e sem tiros, que até informa os ladrões através do Diário da República que não devem entrar, nem sair, pelo lado oeste.
Quem fez o trabalho fê-lo limpinho, até com direito a manobras de diversão no dia do assalto (se é que o assalto se deu naquele dia, e se foi tudo roubado de uma só vez, if you know what I mean) e no dia seguinte, quando se pretendeu que havia bandidos a fazer disparos de dentro de uma mata, como se ali houvesse “áreas libertadas” como na guerra colonial.
O que faltou no paiol de Tancos foi um cão igual ao da minha infância, que eles entrar até podiam, qualquer que fosse o ponto cardeal, agora sair é que era mais complicado. Tirem o exemplo do nº 10 de Downing street, que paga a um gato para livrar os ministros ingleses de ratos e ratazanas. Daqui se conclui que a culpa ou é do Diário da República ou dos governos, principalmente do anterior, como disse o camarada Jerónimo, que impuseram ao povo português e às Forças Armadas, a mando dos malandros da União Europeia, restrições que nos deixaram só no osso.
E por falar em osso, se depois de pagos os ordenados não havia dinheiro para a ração, não serviriam os ossos para manterem um cão como o Piloto da minha infância?