Nunca como hoje se tentou impingir o culto da
sensualidade e do erotismo. Não que em épocas anteriores não tenha havido um
culto ao prazer erótico e sensual igual ou maior, mas nunca atingiu a
vulgaridade da época actual. E é ver impingirem-nos os músculos tatuados de
rapazes e as curvas anafadas de moças, todos encafuados em casas ditas de
segredos onde tudo se revela. A fartura só causa fastio, porque o desejo vem da
fome. Tanta disponibilidade nada fará aumentar senão o número de bocejos por
minuto e tremores mais não serão do
que o estertor do vómito.
… Em silêncio e sem se mexer, deixou-a passar para a
adega, que era ao fundo, numa loja contígua. Mas apenas sentiu ‘desandar a
torneira da pipa e a espuma do tinto a ferver dentro do barro lhe fez cócegas
na garganta, pediu humildemente:
- Minha ama, dê-me uma pinga! - Dou. Anda cá
bebê-la... Ergueu-se num pronto, saltou por cima do gado, entrou no armazém,
recebeu a pichorra, levou-a à boca e começou a consolar a alma. De repente, sem
mais nem para quê, a moça, calada, dá-lhe um empurrão à vasilha com a ponta do
dedo. De respiração afogada e ainda engasgado, a tossir, relanceou-a toda. Ao
machio, a senhora morgada!
E nada mais simples: pousou a caneca e dobrou a
rapariga sobre uma facha de palha.
(excerto
de O Pastor Gabriel, Novos Contos da Montanha, Miguel Torga)
Imagem:
Vénus e Adónis, óleo de Rubens. The Metropolitan Museum of Art