segunda-feira, 29 de julho de 2013

HAIKAI (2)

 
 
 

                                       O Sol resplandece
                            na água, terra, no ar
                            num fogo que aquece.

 
 
 

Com este haikai dedicado aos quatro elementos gregos da natureza inicio um novo ano.



sábado, 27 de julho de 2013

PRIMEIRO ANIVERSÁRIO

Este meu blogue chega ao fim do seu primeiro ano de vida. Aqui postei uma crónica, um dizer, um estado de espírito. De quem se propôs aqui vir pelo menos uma vez por semana, pode dizer-se que superou os objectivos: em 52 semanas 73 postagens.
Foi divertido e, sobretudo, muito salutar vir aqui semanalmente falar do que me ia na alma. Foi bom compartilhar com quem me leu aquilo que sentia. Espero ter agradado e fico a aguardar, por parte de quem me lê, maior colaboração para o segundo ano que se inicia amanhã 28, mesmo que seja para falar mal ou contra: nunca fujo a uma boa polémica.
Tentei escrever um pouco de tudo o que ia acontecendo à minha volta, ou dentro de mim. Hoje, contudo, há demasiado ruído na nossa sociedade, e no meio do ruído convém falar baixo para que nos oiçam.
Por isso, neste aniversário, quero, para combater o ruído, socorrer-me da arte, a única que explica a vida como dizia Nietzsche. Dizia o filósofo que nela se confrontavam Dionísio e Apolo. Por Apolo, que oferece a lira, vou falar de música. Por Dionísio, a embriaguez dos sentidos que a música provoca.
Tirando Bach, (vá lá, e a Isolda do Wagner), há pelo menos dois momentos em que me é quase impossível reter as lágrimas quando oiço música: são nos segundos andamentos de dois concertos para piano: os andamentos lentos (os que mais gosto).
Um é o adágio do concerto para piano nº 5 de Beethoven, do Imperador, e o outro é também um adágio assai (que eu traduziria como lento embora fluído mas firme???) do concerto para piano em Sol maior, de Ravel.
Quando oiço aquela espécie de valsa ao piano torno-me piegas, depois a flauta, secundada pelo oboé e clarinete a interromperem o piano não ajuda nada à recuperação. A serenidade retorna com o corne inglês a repetir o que o piano fez, até que tudo se esvai lentamente. É, sem dúvida, um encontro com os deuses como queria Nietzsche.
Como prenda deixo-vos a interpretação de Martha Argerich ao piano com a orquestra real filarmónica de Estocolmo dirigida por Yuri Temirkanov.
Obrigado aos meus leitores por este ano.


segunda-feira, 22 de julho de 2013

HAIKAI (1)




A melancolia
Do gato que vê o melro
Que as uvas comia
 
 
Com este simples haikai, inicio uma incursão por este mundo poético de raiz oriental e meditativa. Espero que gostem.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

IN MEMORIAM, ROBERT PATTEN


Nas comemorações de Abril, no museu Malhoa, frente à imagem que este pintor entendeu ser a de Leonor, cantámos as Heróicas de Fernando Lopes-Graça. Ao piano um inglês do Yorkshire, o Robert Patten. Se alguma desconfiança transpareceu na face da neta da rosa de Lencastre, logo se dissipou quando ouviu aquele filho da rosa de York tocar os cravos de Abril. Quando o calor de Julho fez cantar as cigarras e doirar os trigais, o Robert decidiu partir e o coral das Caldas da Rainha perdeu o pianista, o tenor e o amigo. Uma perda irreparável.

Robert, com a sua mulher Pamela, juntou-se ao nosso coro quando decidiu deixar a Inglaterra e rumar à região de Caldas da Rainha. Com carinho trouxe-nos canções inglesas e galesas por ele harmonizadas, e com infinita paciência explicava-nos as subtilezas da sua poesia. Ao piano repetia, vezes sem conta, os acordes que nos traziam de volta ao ritmo e à afinação necessários. Com a fleuma típica da sua gente, de olhos fechados, tentava compreender, e aceitar, os nossos atrasos e rebeldias meridionais que, mais do que a desafinação, feriam a sua disciplina anglo-saxónica. A esta hora, temos a certeza que discute com Lopes-Graça as subtilezas dissonantes das Heróicas.

Obrigado Robert por ter feito escala nas Caldas da Rainha. Nos nossos corações será até à eternidade.


Down by the Salley Gardens; música de Ivor Gurney, poema de William Butler Yeats
 



domingo, 14 de julho de 2013

CARRASCOS, CAPANGAS E A BASTILHA

"Querer-se livre é também querer livres os outros."
Simone de Beauvoir
 
Uma das tácticas dos inimigos da democracia é a criação de manobras de diversão sob a capa da justa reivindicação de direitos: junta-se um grupo ruidoso, a maior parte das vezes com razões para protestar, ganhando com isso a simpatia do público em geral, e organiza-se uma manifestação de forma a impedir o livre exercício das regras democráticas. Com alguma sorte esse grupo sofre qualquer tipo de retaliação ou insulto transformando-o rapidamente de revoltoso em vítima. A empatia fica então assegurada e é ver os media e as redes sociais a fazerem coro com o protesto, conseguindo-se assim o que não se consegue pelo voto. Denunciar este esquema torna-se perigoso pois faz centrar sobre quem o denuncia a fúria de quem tomou o partido das supostas vítimas. Evitando cair nessa armadilha, assumo o papel de ovelha tresmalhada como meio de preservar o meu sentido crítico. Não para qualquer tipo de publicidade ou tomada de posição em favor deste ou daquele partido. Se alguma pretensão política pudesse ter seria sempre em defesa da liberdade e da democracia, mesmo que por causa dela o meu voto não seja o que vence.
Simone de Beauvoir, com o espírito livre e superior que se lhe reconhece, disse um dia que não podíamos ter medo. Nesse sentido, quando os nazis ocuparam a França, afirmou que não se podia permitir que os nossos carrascos nos criem maus costumes. Beauvoir é grande demais para ousar interpretá-la mas não errarei se disser que com carrascos se referia aos nazis, inimigos da liberdade e da democracia, e com maus costumes se referia ao medo por eles causado.
Falando em Simone de Beauvoir, em liberdade e em democracia, vem-me à lembrança o dia de hoje, 14 de Julho, dia da tomada da bastilha que serve de símbolo à revolução francesa. A tomada de uma fortaleza onde se prendiam os que discordavam do poder absolutista e autocrático é sempre um símbolo forte, mas sucedeu devido a um equívoco: um falso rumor criado para obter a fúria das massas. Apesar de não ter sido nem a causa nem o início dessa revolução a França celebra o dia com pomposa parada militar, não se lhe conhecendo contudo feitos guerreiros desde Napoleão que justifiquem tal pesporrência. Mau sinal celebrar-se a liberdade com o brilho das baionetas.
A revolução francesa, acontecimento por demais importante na história da humanidade, está cheia de equívocos. Desde logo porque se inicia com aqueles que mais tarde irão sofrer no pescoço os seus efeitos. Os nobres, descontentes com a acção do rei em querer redistribuir a enorme riqueza que a França da altura produzia (estava longe de ser um país arruinado como por vezes se pensa), encostaram-se à burguesia para juntos acabarem com o regime absolutista e decidirem eles o valor dos impostos. Sem o saberem assinavam a sua sentença de morte, porque isto de revoluções sabe-se como começam mas não como acabam. Com a revolução acabou a distinção medieval entre povo, clero e nobreza: todos passaram a ser cidadãos com iguais direitos e deveres.
Se à revolução devemos muito da nossa liberdade e democracia, convém não esquecer que o caminho foi trilhado muitas vezes sobre o “Terror”. Outro dos equívocos, por exemplo, foi a condenação de Lavoisier cujos feitos são bem mais dignos do orgulho francês do que as evoluções no campo de batalha. O pai da química moderna foi guilhotinado no período conhecido pelo “Terror” que se seguiu àqueles actos revolucionários, após julgamento sumário um dia antes da execução. O seu crime: ter sido, durante algum tempo, cobrador de impostos. Num segundo caiu uma cabeça que um século não seria suficiente para produzir, como afirmou Lagrange, outro grande homem das ciências. Pelos equívocos que geram o Terror, o carrasco decapitou um rei bom, mas não democrata, que quis tirar aos nobres para dar ao povo, e um cientista que para ganhar a vida se viu obrigado a cobrar impostos. Os carrascos nem sempre são os culpados mas são sempre a mão visível de quem devia carregar a culpa.
Carrascos da democracia há muitos e por isso todo o cuidado é pouco. Desde logo os que pretendem pôr em causa os direitos à educação, à saúde e ao trabalho que foram conquistados pela democracia que temos, centrada numa assembleia parlamentar e legislativa onde se sentam os representantes do povo, que é o conjunto dos eleitores. Nas suas galerias podem assistir eleitores que não representam ninguém a não ser eles próprios. É assim dentro das regras democráticas e não é subvertendo-as que podemos lutar contra os que põem em perigo a democracia, inclusive substituir os governos que julgamos carrascos dos nossos direitos. Calar o parlamento é acabar com essa possibilidade. Sempre que se subverteram as regras democráticas, mesmo em nome das boas intenções, resultou invariavelmente em fascismo e ditadura.
O que distingue a democracia de um totalitarismo, não é a legitimidade garantida pelo número dos apoiantes. Mussolini, pai do fascismo, tinha o apoio da larga maioria dos italianos, tudo assim o indica, e era bem visto e admirado pelas potências europeias e americanas antes da guerra. Essa legitimidade baseada pelo apoio das massas também é tirania. Em democracia, para que a vontade da maioria não seja tirânica, existem mecanismos que garantem os direitos da minoria, desde logo a liberdade de expressão e opinião. Ouvir uma dirigente sindical, militante de um partido com assento na assembleia, dizer que o parlamento podia fechar porque não fazia falta nenhuma, é o mesmo que ouvir um insulto à democracia. Ao dizê-lo aproxima-se das teses dos fascistas que foram e são autênticos carrascos da democracia.
Um grupo de pessoas que decida invadir as galerias da assembleia para impedir o seu livre exercício tem como intuito causar medo aos representantes do povo. Se esse grupo é liderado por quem afirma querer interromper a democracia, confunde-se perigosamente com os inimigos da liberdade. Em democracia as pessoas são iguais e o povo é o conjunto dos eleitores. Ninguém tem o direito de julgar saber a opinião do povo sem que este a expresse nas urnas.
         Como dizia Sartre, somos todos individualmente responsáveis pelos crimes que colectivamente se fazem. Quem não quer ser carrasco não lhe vista a pele.
* CAPANGAS - Termo com que Mário Soares brindou um grupo de eleitores que se manifestou em público, no lugar errado à hora errada.

Imagem: bandeira da Hungria com buraco donde se retiraram os símbolos da ditadura e do invasor em 1956




terça-feira, 9 de julho de 2013

DECISÕES IRREVOGÁVEIS

 
 

Durante o cerco a Tróia, Agamémnon, comandante das tropas gregas, quis para si a bela Briseide que calhara em prémio a Aquiles. Este, desonrado, tomou a decisão irrevogável de abandonar o cerco e a batalha. Agamémnon, aflito com o assédio dos troianos, tudo prometeu a Aquiles, até Briseide, mas Aquiles manteve a sua decisão irrevogável e se o amor da pátria não foi suficiente para não tomar aquela decisão, não seria suficiente para a demover.
Quando Pátroclo, amigo de Aquiles, morre às mãos de Heitor, comandante dos troianos, Aquiles decide voltar à batalha para vingar aquele que era para si como um irmão e a quem amava mais que tudo. A decisão irrevogável deixou de o ser quando estava em causa a perda de um ente querido que impunha uma vingança honrosa por amor.
As decisões irrevogáveis tomavam-se pela desonra sofrida e se demoviam pelo amor de um amigo. Aquiles, Pátroclo e Heitor morreram nos campos de Tróia, mas Agamémnon regressou, e os seus discípulos continuam a mover-se pela arrogância, vaidade e cupidez.
Vil tristeza esta onde já nem os olhos de uma mulher ou o amor de um amigo motivam as decisões irrevogáveis…
 

Imagem: Detalhe de Aquiles na corte do rei Lycomedes. Trabalho romano em mármore. (Museu do Louvre).


quarta-feira, 3 de julho de 2013

SALDANHADAS E PORTADAS

 

Os acontecimentos recentes e a dúvida sobre o equilíbrio do governo fizeram-me lembrar o velho Saldanha. É certo que confundir truões com o prestigiado soldado pode parecer, e é concerteza, ofensivo. Por muito que antipatize com a figura do marechal, a sua vida é a melhor prova de que lhe devemos o maior dos respeitos. Aos quinze anos era capitão e aos dezassete, ainda adolescente e comandante de uma companhia, abandonou um exército impedido de dar luta aos franceses, para se aliar às forças rebeldes que se opunham ao invasor. Em bom português, tinha-os no sítio.

As guerras por onde andou, pela Europa e pelo sul da América, os governos que integrou e a diplomacia que fez, levaram-no por vezes a confundir os seus interesses com os da pátria; Fico zangado quando o vejo marchar com jactância frente às Necessidades em clara afronta à rainha D. Maria, e continuo zangado quando o torno a ver, já velho de oitenta anos, a disparar os canhões contra o palácio da Ajuda, partindo os vidros e rachando o estuque dos tectos, pondo em perigo os cristais.

No episódio da Ajuda, perante um D. Luís preocupado com a segurança da baixela do jantar, a rainha D. Maria Pia, uma italiana elegantíssima de língua afiada que numa única noite de baile de máscaras mudou de traje três vezes, olhou de frente o marechal e disse-lhe: - Fosse eu o rei e mandava-o fuzilar. 

Tirando o facto de naquele período, em três anos, ter havido cinco eleições, um golpe de Estado (o do Saldanha) e oito governos, poucas coisas mais se assemelham aos nossos dias. Nos corredores do poder continua a ver-se gente muito mal vestida a soprar a espuma do champanhe, como lamentava o marquês de Fronteira, mas já ninguém arrisca nada. Naquele tempo, homens como Saldanha arriscavam tudo, como ficou bem expresso na tirada mordaz da rainha: tudo e a própria vida.

Hoje são farsantes que nada arriscam porque, como dizia Goethe, já estão mortos.

 
 
Imagem: estátua do Duque de Saldanha tirada daqui: