quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

E AOS COSTUMES DISSE NADA...

Dizia Erasmo, enquanto elogiava a loucura, que dos maus costumes nascem as boas leis.
Os maus costumes variam, a mais das vezes, com a latitude e com a época. É um mau costume de consequências trágicas uma esquimó andar de peito à vela enquanto que para a mulata dos trópicos a consequência é uma bela canção ou um mau poema. Voltando às boas leis para os maus costumes tivemos, por exemplo, os conventos onde, a par dos bons costumes, se arrumavam os maus que faziam perder a virtude. Ainda me lembro dos filhos de pais incógnitos e dos filhos ilegítimos. Já não me lembro, mas ouvi falar, das prisões para os garotos de Lisboa que tinham o mau costume de jogar à bola na rua. Divórcio era um costume péssimo e, para uma mulher, bom costume era ser mãe extremosa. Sair de casa para arranjar emprego num escritório era mau costume. Marido que o consentisse candidatava-se a ver a testa enfeitada pois era sabido que a mulher teria o costume de se sentar ao colo do patrão todas as tardes, mau costume para a mulher mas bom costume para o patrão. Era o que se ouvia nos meus tempos de garoto.
Fazer filhos fora do tálamo conjugal (em falando de costumes convém subir o nível) era um mau costume que qualquer mulher escondia bem escondidinho. Inventou-se a roda para evitar a má língua que impedia a uma menina de boas famílias cuidar desse filho da curiosidade. Ficava a mãe sem filho e o filho sem mãe, mas salvavam-se os costumes. Caiu a roda em desuso porque hoje não há costume que impeça uma mulher de aparecer em casa com uma criança nos braços sem que ninguém, nem mesmo a mulher, saiba quem é o pai. Ninguém na vizinhança se atreverá a propor o corte dos cabelos na praça pública.
Se um homem discutir com o farmacêutico as virtudes das fraldas descartáveis, coisa muito mal vista pelo meu avô que nunca viu uma fralda, não levantará qualquer suspeita sobre os seus costumes. Qualquer mãe sensata estudará com a filha a bula da carteira de anticoncepcionais sem que o pai recorra ao velho costume de lhe procurar vaga no convento mais próximo.
Era mau costume deitar-se um homem com outro. A lei, que era boa, proibia, mas temia-se mais a condenação dos costumes que a da justiça, ou a falta dela. As mulheres também o faziam, mas com tal recato que não se notava e aos costumes diziam nada. Os homens, perdidos naquele terrível costume, viviam vidas de boémia e dissipação para inveja daqueles que os costumes obrigavam ao recato do lar e a uma única amante com casa posta em Arroios. Agora que a Lei não proíbe, virou bom costume e portam-se bem. Cumprimentam a vizinha no elevador e esta dá-lhes a receita do bolo de chocolate porque já não andam na borga, estão de casa e pucarinho, e o valor imobiliário do prédio subiu em flecha.
Oiço agora aos pais e as mães, à porta da creche onde deixaram os filhos, coisa de muito mau costume há cinquenta anos atrás, que será um mau costume as criancinhas terem dois pais ou duas mães. Que não aguentarão a pressão, dizem. Que se comprometerá a sociedade do futuro, que a querem igual à sociedade do passado. Fico sem saber se estarão a propor o fecho das creches.
Dou comigo a pensar se as crianças aguentaram a roda, os colégios internos, as escolas industriais vitorianas, a prisão por causa do jogo da bola, o divórcio dos pais, a ausência do pai no ultramar ou na França, a falta de mama da mãe, o incógnito e a ilegitimidade no BI, o Dr. Spock, o Daniel Sampaio e os técnicos de educação desde os três meses de idade… talvez aguentem dois pais ou duas mães sem que o futuro se torne mais sombrio.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A DEMOCRACIA DA FALÁCIA E DO OXÍMORO

Que resposta devo dar a quem se predispõe a receber em sua casa uma criança abandonada?
Dividir as pessoas em homossexuais e heterossexuais é, para além de absurdo, estúpido, e a fobia à estupidez é talvez a única de que sofro. Desta estupidez sofrem tanto straights como gays. Gore Vidal, que não perdia uma oportunidade de aparecer na televisão ou de fazer sexo (independentemente do género), ia mais longe e afirmava que existiam não pessoas, mas actos homossexuais e actos heterossexuais.
Este absurdo resulta de outro que é julgar-se um homossexual incapaz de actos heterossexuais ou que um heterossexual jamais se divertiria na ilha de Mikonos ou de Lesbos. Um pouco de cultura histórica, científica ou simplesmente maior atenção ao que se passa à nossa volta, poria a nu o absurdo.
Tudo isto para dizer que a Lei, ou a sociedade, não devia nem sancionar nem interditar, a forma como as pessoas escolhem os/as parceiro(a)s de cama. É um assunto em que o Estado não devia intervir. E o casamento?
O casamento só faz sentido se pressupor à partida a constituição de uma família. Devia então a Lei, a meu ver, consagrar através do casamento única e exclusivamente a união entre um homem e uma mulher. Não por razões de ordem moral (a moral na cama faz tanta falta como uma viola num enterro) mas porque essa união é naturalmente necessária à procriação e, por isso, elemento fundador das sociedades humanas, merecendo especial protecção do Estado e da sociedade.
Todas as formas de constituir as sociedades humanas, e os seus paradigmas, podem ser alterados. Não há nisso nada de sagrado, no entanto, qualquer mudança desses paradigmas devia obrigar a que todos se pronunciassem, porque a todos interessa. Fazia então sentido um referendo. Não foi assim entendido, e em nome de uma igualdade que não estava posta em causa aprovou-se uma Lei que equipara uniões do mesmo sexo ao casamento com a nuance de não poderem adoptar. Onde não havia desigualdade passou a haver a diferença. Os argumentos falaciosos sobre a igualdade e o horror ao epíteto de homofóbico falaram mais alto.
Agora uma maioria parlamentar, em violação das mais elementares regras democráticas (exigir à força a alteração de um sentido de voto não é democracia), entende que deve perguntar aos cidadãos se esses casais podem adoptar. Então não são casais? Não pressupõe o substantivo a constituição de uma família? Então para mexerem com um dos fundamentos de toda a sociedade, e para retirarem ao meu casamento um determinado valor, não quiseram ouvir-me, querem agora, com o custo de milhões, ouvir-me sobre se crianças abandonadas podem ou não ser adoptadas por casais que as querem criar com todo o afecto que merecem?
É caso para dizer: VÃO-SE CATAR!


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

EUSÉBIO

Depois de falar de Cristiano Ronaldo seria imperdoável não escrever sobre o “nosso” Eusébio, meu conterrâneo. Já todo o panegírico foi gasto pelo que me limitarei a fazer a defesa do seu direito a herói nacional, e o lugar dos heróis é no panteão. A palavra panteão significa o conjunto (pan) dos deuses (théos). Nascido e criado numa comunidade monoteísta não resta ao povo senão eleger os seus heróis como deuses, e é ao povo quem cabe escolher os deuses a quem presta culto. Geralmente fá-lo por via da afectividade ou do temor.
Clamam as pessoas cultas e intelectuais do país que é uma vergonha e que o povo devia “aprender” a amar mais os seus escritores, cientistas ou políticos. Ora tal como não se aprende a amar, também os políticos não precisam do amor do povo para nada e bandeiam-se para o panteão com a ajuda dos demais políticos. Pergunto-me que raio de herói é um presidente da república, cargo mais amorfo e cinzento não há, para ter lugar no templo dos deuses? Estão lá quatro!
Herói é aquele que pela sua coragem, destreza, atributos físicos ou morais, é autor de grandes feitos. Não vou discutir se um grande escritor, cientista ou artista pode ou não transformar a sua obra num grande feito que seja reconhecido como tal pelo povo a quem deve servir esse feito. É claro que pode, principalmente quando põe o seu prestígio e saber de intelectual ao serviço desse povo. Não basta ser muito bom ou o melhor na sua arte.
Mas o herói tem de ganhar sobretudo a estima do povo e isso é a afectividade em acção. Nisso não somos melhores nem piores que as outras nações. Arriscaria a afirmar que Pushkin é idolatrado pelo povo russo muito mais por causa dos vinte e nove duelos que travou, o último dos quais em defesa da honra de marido ofendido e que lhe causou a morte, do que pelos poemas que poucos lerão.
Eusébio morreu no passado dia cinco e o povo demonstrou com sinceridade o amor e afecto que lhe tinha. Merece ou não ser chamado de herói nacional? Merece ou não ir para o panteão?
Nestas ocasiões fica sempre bem chamar em socorro o velho Camões, cuja opinião é incontestável porque representa o grau máximo da nossa cultura, seja isso o que for, pelo que fico assim defendido do ataque dos intelectuais.
Heróis para Camões foram os doze de Inglaterra, uns moços belicosos cujo único feito notável foi terem viajado para as ilhas britânicas para andarem à porrada por causa da honra de uma senhora inglesa que nunca tinham visto e que ninguém se atrevia a defender. Por maioria de razão cantaria Camões os feitos de Eusébio que na mesma Inglaterra salvou a honra da pátria em risco de se perder por causa de três miseráveis golos metidos na nossa baliza sem resposta. Eusébio pegou no estandarte caído no relvado e marcou quatro de resposta deixando o quinto para o José Augusto. Foi feito que bastasse para ascender às honras de herói.
Por essa altura Portugal tinha outros heróis que foram chamados a dar a vida pelos interesses da Pátria na guerra do Ultramar. Em vez de perdermos tempo a contestar a merecida entrada de Eusébio em Santa Engrácia seria melhor organizarmo-nos para honrar os nossos heróis dessa guerra injusta cuidando-lhes dos túmulos perdidos no sertão africano. Com tanto português emigrado em Angola e Moçambique talvez fosse possível arranjar uma associação que tratasse do assunto. Os africanos não se oporiam e os heróis agradeceriam.


sábado, 4 de janeiro de 2014

CRISTIANO RONALDO

Há muitos anos, apanhei boleia para Lisboa. Era um tempo em que viajava à boleia para poupar recursos e foi na época pré- Cavaco: não havia autoestradas. Um casal de holandeses em viagem para o Algarve, à beira de um ataque de nervos após a passagem da estrada da Beira, levou-me até Lisboa. De Moçambique - perguntaram-me - Da terra do Eusébio? Agora oiço na televisão que um jovem estudante da Coreia do Norte, aquele país fechado no tempo e no espaço, quer aprender português por causa do Cristiano Ronaldo.
A atribuição do grau de Grande Oficial da Ordem do Infante ao brilhante jovem madeirense só pode merecer da nossa parte um estrondoso aplauso. Lembro que Ronaldo já é oficial desta ordem desde 2004.
Aos que acharem esta atribuição exagerada aconselho uma olhadela a todos os que já foram agraciados com esta condecoração. Fica-se com a sensação de que só lá faltam o cão e o gato do Pinto da Costa. Depois aconselho-os a ver o pequeno filme que deixo linkado:


http://www.youtube.com/watch?v=zToNoA3ND2E&feature=player_embedded