É nas épocas de crise
que a cultura tem de mostrar a sua força para fazer frente aos “gestores” que
não entendem que os sacrifícios só valem a pena por causa da cultura, como
lembrava Churchill, um homem de cultura que governou um país em crise. Mas é
também nas épocas de crise que se sacode o pó dos reposteiros e se deitam abaixo as
torres de marfim.
Em 1958 Álvaro Malta,
um cantor português, desafiava para um duelo Alfredo Kraus, um dos maiores
cantores espanhóis de todos os tempos. Tudo por causa da Maria Callas, uma
cantora americana com quem Malta entrara de braço dado no palco do São Carlos
depois de Maria Callas ter “andado a dormir” com o Kraus. Cantava-se e
representava-se a Traviata em Lisboa.
Apesar deste grande
feito já quase ninguém fala de Álvaro Malta, obstreta e cantor que aos oitenta
anos ainda fazia partos. Desconheço se ainda os faz. Tinha 58 anos quando
deixou de cantar. A grande Callas não cantou a partir dos 51 anos. A crítica
não lhe perdoava a velhice na voz, apesar da fama, glória e grandeza.
Em 2009 acabou em
Portugal um projecto educativo musical interessante e a sua criadora, Maria
João Pires, partiu para o Brasil. Governava o país, ainda sem crise, um governo
de sinal contrário ao actual.
Um cantor português de
65 anos partiu para o Brasil, o lugar do Éden, o paraíso perdido, como
acreditava Colombo. Não o querem ouvir, diz ele. Acha que ainda tem muito para
dar, e eu acredito que sim. O filho, um escritor que nunca li (os excertos por
onde passei os olhos não me entusiasmaram), com grande sucesso no nosso país,
com prémio literários, veio a público dizer que este país não merece o pai
(quiçá ele próprio, o escritor). O filho vive do seu trabalho de escritor, num
país com uma população inferior à de Paris, Londres ou São Paulo, sem hábitos
de leitura, e onde Torga precisava de dar consultas de otorrino para pôr o
pão na mesa.
O pai, o cantor cujo
sucesso se iniciou nos anos 70 durante o regime anterior ao 25 de Abril, em
programas da televisão pública, acha agora que o país é mal agradecido. Sabemos
que sim. Lembro-me ainda do que fizeram à Amália no período revolucionário,
quando o cantor ganhava festivais da canção. Um país onde os críticos jamais se
atreveriam a imitar a crítica estrangeira, que desancava na Callas, para
beliscar um Tordo.
Falta-me pachorra
para a auto comiseração. É caso para dizer: mal agradecidos.
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