segunda-feira, 31 de março de 2014

REFLEXÕES À MARGEM DA QUARESMA OU HOLLYWOOD DA FÉ


Costuma dizer-se que a televisão tem horror ao vazio, por isso massacra-nos por alturas do Natal e da Páscoa. É que os acontecimentos que se comemoram nessas datas não foram captados em vídeo e a televisão desespera tentando mostrar e relatar como tudo aconteceu.

Este ano teremos a sorte de poder apreciar uma Nossa Senhora com extensões, fazendo jus à competência dos cabeleireiros de Los Angeles, chorando por um português, aleluia, que triunfa em Hollywood.
         
Se para apreciar esteticamente as circunstâncias que definem a minha Fé prefira o que Bach nos legou, não me desgosta no entanto saber que o Diogo Morgado representou bem o papel de Jesus num filme. Fica-se no entanto com a impressão que o representante é mais importante que o representado. Isto é, podia a televisão aproveitar a deixa e promover debates e mesas redondas sobre a crença no homem que mais influenciou o Ocidente nestes dois últimos milénios, e se essa crença corresponde ou não à nossa, os que se dizem cristãos, e se deve ou não continuar a influenciar o curso da História.

          Discutir o Diogo Morgado nesta Páscoa, maravilharmo-nos com as frases post it atribuídas ao Papa Francisco, ou interrogarmo-nos sobre a nossa crença no ressuscitado, é uma escolha que teremos, nós os cristãos, de fazer. O que somos e o que queremos ser depende muito dessa escolha. 

sexta-feira, 28 de março de 2014

REFLEXÕES QUARESMAIS IV

 
(leituras: 1 Sam 16,1b.6-7.10-13a
Salmo 22 (23)
Ef 5,8-14
Jo 9,1-41)
 
- Não rezamos - Naquele Eldorado sonhado por Voltaire, um velho ensinava Cândido que nada havia a pedir. Tendo tudo o que precisavam, não restava mais do que agradecer continuamente.

Vemos sempre o que queremos, quase nunca o que devemos. Abrisse eu os olhos e cantaria hinos e cânticos, como o velho no Eldorado.
 
Porque nada me falta
e a minha taça transborda.



sábado, 22 de março de 2014

REFLEXÕES QUARESMAIS III


(leituras: Ex 17, 3-7
Jo 4, 5-42)
 

 

A concha das minhas mãos fechou-se
O cântaro do meu corpo quebrou-se.

 Temos sede, gritou o Povo a Moisés.
Tenho sede, disse o Mestre à Samaritana.

 A água escondida na rocha aguarda que a procurem
porque tem sede dos que dela necessitam.
Larga o cântaro como a Samaritana e leva-te aos outros.
Dá-lhes da água que recebeste de quem de ti tinha sede.



sexta-feira, 14 de março de 2014

REFLEXÕES QUARESMAIS II


  

      (leituras: Gn12, 1-4
Mt17, 1-9)


1ª Teofania: “- Larga tudo e vai…”
2ª Teofania: “No alto do monte o Homem transfigurado…”

Fecho os olhos e tapo os ouvidos.
Ouvi-Lo obrigar-me-ia a largar tudo e vê-Lo fazer-me-ia descer do monte!

segunda-feira, 10 de março de 2014

REFLEXÕES QUARESMAIS I

 

(Leitura: Mt 4,1-11)

 Resistir às tentações do Mundo depois de jejuar e viver no deserto quarenta dias e quarenta noites não é a dificuldade maior. Difícil é ir para o deserto e jejuar.



sábado, 8 de março de 2014

MULHER

Mulher, perante o teu grande mistério só a certeza da insignificância do meu gesto.

……….

E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...


Miguel Torga, in 'Diário VII'



terça-feira, 4 de março de 2014

TOLERÂNCIA DE PONTO

 

De entre as fábulas de Esopo a que menos me agrada é a da formiga e da cigarra. Como se fazer repercutir um címbalo 300 a 900 vezes por segundo para atingir 120 decibéis não fosse trabalho.

A cigarra faz-nos lembrar as tardes de verão onde apetece ir para a rua comer talhadas de melancia e pão de ló ensopado em malvasia. As formigas, essas são sempre a parte chata de um pic-nic, muito semelhantes àqueles que torcem o nariz e franzem o sobrolho às tolerâncias de ponto pelo carnaval.

É o carnaval festa antiga, anterior à nacionalidade e aos burocratas que querem decidir se deve ou não o Povo celebrar o fim do Inverno na alegria da promessa de dias melhores. O riso afugenta o mal e o medo da morte que se sabe inevitável. O Homem é o único animal que ri; afirmou Aristóteles que conhecia do assunto, e Umberto Eco acrescenta que o riso liberta o aldeão do medo do diabo.

Percebe-se assim que não seja festa grata aos poderes instituídos, mancomunados com o mafarrico e que gostam de ver o Povo acorrentado aos seus medos.

Amanhã começa a Quaresma a lembrar a finitude, e eu que gozei o Entrudo enroscado em mantas não precisava das Cinzas para mo lembrar, que o corpo dorido e febril disso se encarregou. Gripe, disse a doutora do centro de saúde onde não houve tolerância de ponto.