A
proliferação de programas de culinária feitos por gente jovem, que rompe
cânones, muito tem feito para o
prestígio de um valor cultural que se foi perdendo na voragem do mundo moderno.
O acto cultural de saber cozinhar perdeu-se e há crianças no mundo ocidental
que não sabem o que é um assado e à pergunta sobre o prato preferido, a pizza hut ganha à avó, que o mais das
vezes é ela também uma fervorosa adepta do fastfood.
O
gosto de cozinhar vai chegando lentamente às camadas mais jovens e isso
deve-se, sem dúvida, a esses programas. Mas como não há fome que não dê em
fartura as estações de televisão transformaram o acto de cozinhar num reality show e num concurso. Os
preceitos da nouvelle cuisine chegam
a atingir o paroxismo mas é a velocidade com que tem de se cozinhar que me tira
do sério. Como se não estivéssemos a falar de uma arte que deve ser feita com amor,
e que convém não apressar. É que um valor cultural, património dos povos, não é
o mesmo que uma corrida de 100 metros.
Se a
pressa conduz ao crudivorismo, espero sinceramente que a ênfase posta na
apresentação dos pratos não nos leve à situação que ocorreu naquele célebre palacete,
ao nº 202 da avenida dos Campos Elísios, onde habitava Jacinto que trocou Paris
pelo Douro, o que não admira!
Mas quando o arroz-doce apareceu
triunfalmente, que vexame! Era um prato monumental, de grande arte! O arroz,
maciço, moldado em forma de pirâmide do Egito, emergia duma calda de cereja, e
desaparecia sob os frutos secos que o revestiam até ao cimo onde se equilibrava
uma coroa de Conde feita de chocolate e gomos de tangerina gelada! E as
iniciais, a data, tão lindas e graves na canela ingênua, vinham traçadas nas
bordas da travessa com violetas pralinadas! Repelimos, num mudo horror, o prato
acanalhado.
Excerto de “A Cidade e as Serras” de Eça de Queiroz