segunda-feira, 9 de junho de 2014

Crónicas Gastronómicas III - AS SANDES DE ALEXANDRA

 

Agora que chega o Verão é necessário começar a pensar no que levar para o pic-nic, pelo que aqui darei conta de uma famosa receita de sandes que devem o seu nome ao conde de Sandwich que ao jogar às cartas mandou que lhe servissem a carne entre duas fatias de pão para que não tivesse de interromper o jogo. Virou moda e toda a gente passou a pedir “o mesmo que o Sandwich” e o bom do nosso pastor serrano nunca chegou a saber que aquilo que trazia no bornal e que a boa da Maria lhe preparava, tinha nome tão fino.

Na Inglaterra continuamos para então vos falar das famosas sandes da rainha Alexandra, mulher de Eduardo VII que tem parque ali ao marquês onde florescem os jacarandás. Trata-se de uma receita apropriada a senhoras de estirpe e agora que o parque se cobriu de roxo e azul, sempre podem merendar à sombra.

Era Alexandra mulher belíssima quando foi recebida em apoteose pelos ingleses que assim saudavam a noiva vinda da Dinamarca, contrariando Shakespeare que dizia nada de bom vir daquele reino. Menina prendada viveu em tempo de carestia apesar de serem os pais presuntivos reis da Dinamarca. Habituou-se assim ao rigor e à economia pelo que poupava no comer.

Casou-se com o então príncipe de Gales, filho da rainha Vitória, numa cerimónia que foi marcada pelo caos, não porque faltasse a comida mas pelos maus fígados da rainha. Insistiu que o casamento se fizesse durante a quaresma e na apertada capela do castelo de Windsor, birra de viúva que se recusava a sair de casa. Os outros que viessem até ela, que não se é Senhora do Mundo sem razão.

Encafuados na aldeia dos arredores de Londres, reis, príncipes e imperadores lutaram por um lugar onde se visse alguma coisa e houve mesmo um lord que julgando estar em Khyber pass, no Afeganistão, saltou por cima das filas de bancos para conseguir o livrinho da cerimónia para a sua lady. Durante a cerimónia, sem conseguir parar quieto, o futuro Kaiser alemão, neto garoto da rainha, não achou nada melhor para se entreter do que ferrar os dentes de leite nas pernas do tio que o kilt escocês desnudava, demonstrando desde cedo o gosto de morder nas canelas dos ingleses, prática que manteria em adulto. Terminada a cerimónia e já na boda, o duque de Cambridge, cumprindo a tradição, atirou o sapatinho da noiva que foi bater na cara do primo, o príncipe de Gales que era o noivo, fazendo com que o mordomo proferisse a célebre frase, “não vai mais vinho para aquela mesa!”

No fim do repasto a estação abarrotou com a fina flor da aristocracia europeia que então viajava de comboio. O arcebispo da Cantuária que presidiu à cerimónia, viu-se envolvido num autêntico combate corpo a corpo para conseguir entrar na carruagem principal. Chamou em seu socorro o guarda da estação que lhe recomendou que se agarrasse à carruagem seguinte se queria chegar a horas de ouvir tocar as Vésperas na catedral de São Paulo. A esposa do primeiro-ministro deu-se por satisfeita com um lugar na terceira classe mas teve que levar o marido ao colo enquanto a simples carruagem se iluminava com o brilho dos diamantes no valor de mais de 500 000 libras da marquesa de Westminster. Nada como os ingleses para organizarem uma festa!

Mulher de hábitos simples, Alexandra saía para os jardins e bosques em redor do palácio levando na cesta as suas célebres sandwichs que preparava do seguinte modo: batia muito bem um bom punhado de manteiga sem sal com uma pinga de sumo de limão e mostarda bem picante. É o melhor para uma relação, manteiga suave e escorregadia, apimentada com um pouco de mostarda. O príncipe, apesar do jejum da quaresma, sempre lhe fez cinco filhos, mas depressa fugiu para outras paragens indo alambazar-se com linguado au cognac no Maxim’s de Paris, porque não era homem de sandes. Ainda se fosse um prego ou uma bifana… Alexandra julgou que era azia e acreditou sempre que era ela quem ele amava pois só a trocara por actrizes e vendedoras de flores. Gostava do chinelo e gostos não se discutem, dizia a bondosa princesa a uma amiga íntima que acumulava a profissão de actriz com a de amante do príncipe.

Depois de bem misturada a manteiga com o limão e a mostarda, guardem-na no frigorífico, como a relação dos príncipes de gales. Desfiem a carne de um frango ou galinha que sobrou de outras refeições, ou cozam uma para o efeito, e com um garfo misturem com mayonnaise fazendo uma pasta que vai a temperar com um pouco de pimenta preta moída na altura e molho picante, de preferência, tabasco.

Barrem fatias de pão de forma escuro com a manteiga de mostarda e coloquem uma fina fatia de borrego assado ou língua estufada. Sobre esta fatia espalhem a pasta de galinha e mayonnaise e, por se tratar de sangue azul, convém terminar com uma coroa de folhas de rebentos de mostarda ou, em substituição, folhas frescas de agrião, que não sendo tão aristocrata é burguês que baste. Coloquem outra fatia de pão por cima e cortem a sandes em quadrados mais pequenos que a gente fina come como os passarinhos.

Coloque as sandes na cesta onde guardou a toalha aos quadrados e uma manta para estender, escolha um bom vinho para acompanhar e vá até à mata mais próxima. Convide o guarda-florestal que sempre é mais seguro que um príncipe, e se vir o lobo mau, convide-o também!



8 comentários:

  1. Só tu para me fazeres sorrir a imaginar as cenas com as senhoras cheias de folhos a tentarem arranjar um lugar no trem, quanto às sanduíches gostei vou experimentar mas sem guarda florestal pois aqui perto de casa não os há

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    1. Tudo o que escrevi é verdadeiro. A ficção está só na forma de contar. Se não tens guarda florestal podes sempre procurar o lobo mau.

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  2. Esse já o tenho escondido cá em casa mas não gosta de piqueniques

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  3. Está muito bom! :) Fiquei com curiosidade de saber mais histórias do mordedor :)

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    1. O mordedor foi o Kaiser (imperador) da Alemanha, Guilherme II, o último que a Alemanha teve e que na altura tinha 4 anos. Protagonista da 1ª guerra mundial lutou contra os tios e primos ingleses. Defeituoso de nascença, tinha um braço mais curto que o outro o que o impedia de comer de garfo e faca.

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  4. Excelente, excelente.
    O que me ri ao lê-lo. Adorei a descrição.

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    1. Obrigado, Manuela. Também me divirto a escrever e ainda mais quando gostam do que escrevo.

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