sexta-feira, 24 de abril de 2015

O 25 DE ABRIL E O PAPAGAIO DAS CALDAS

Uma televisão que vive à custa do erário público é autorizada a pagar ao seu presidente, por mês, o que a média dos portugueses ganha por ano, enquanto os partidos do governo em conluio com o maior partido da oposição tentam controlar a forma como a comunicação social fará a cobertura da campanha eleitoral. 41 anos passados e a revolução de Abril ainda não conseguiu eliminar a vontade controleira de quem está no poder ou a ele quer ascender.

Faz sensação, no parque D. Carlos I em Caldas da Rainha, um papagaio que se presume ter fugido e que vive agora na companhia das pombas do parque. Há 41 anos prometeram-nos que seríamos como as gaivotas, voando livres no azul do céu sobre um mar de oportunidades. Hoje estamos como o papagaio do parque das Caldas, que se libertou do confinamento de um apartamento para ir viver entre as pombas do jardim. É um dos melhores e mais bonitos parques urbanos do país, mas o azul do céu só se vislumbra por entre as árvores, e o do mar está para lá dos limites do parque. Cabe-nos escolher se ainda queremos ser gaivotas arriscando tempestades, ou continuar papagaios no cartaz de um país turístico.


quinta-feira, 16 de abril de 2015

IL EST INTERDIT D’INTERDIRE


Vai assim em francês porque foi na língua de Voltaire que picharam as paredes da Sorbonne.
Na minha juventude tive um vizinho que era agente da PIDE/DGS. Homem simpático e afável carregava um fardo que lhe amargurava a alma mas alimentava o estômago. Como era culto e sabia línguas acumulava com a censura a tudo o que fosse inglês e a sua biblioteca pejava de livros e folhetos proibidos. Uma vez viu-se obrigado a censurar a capa de um disco, já não sei de que grupo de rock, porque trazia a letra das músicas. As músicas podiam passar mas o texto escarrapachado na capa, apesar de em inglês, não. Com ar de menino que foi ao pote do mel trouxe-nos o disco com a capa, para que pudéssemos usufruir daquilo que acabara de proibir, num exorcismo possível dos seus demónios. Outros discos trazidos por ele mostraram-nos então um mundo para além do cinzentismo daquele fascismo que até desse nome tinha medo. E foi assim que conheci Zeca Afonso e Francisco Fanhais.
Um dia entrei na biblioteca deste meu vizinho e, como Ali Babá, maravilhei-me com aquela “caverna” de tesouros inalcançáveis. Escondido nas estantes, entre outros, “Fuenteovejuna” de Lope de Vega que o regime permitiu ao Teatro experimental de Cascais levar às colónias (difícil proibir um escritor do século de ouro espanhol). Nas paredes, cartazes do “Maio de 68”. Junto ao cartaz dos direitos do Homem, impressionou-me a frase: “É proibido proibir”, e foi como se um campo coberto de flores de todas as cores se abrisse à minha frente.
Era da PIDE/DGS e da censura este meu vizinho que me abria postigos gradados por onde eu espreitava um mundo de liberdade. Pensava ele que assim, em doses homeopáticas, talvez não nos fizesse muito mal enquanto lhe aliviava a consciência. A ditadura velava por nós, proibindo-nos o pensamento livre que só nos podia causar inquietações e angústias, terríveis para o bom funcionamento do coração e do fígado, como se sabe. Agora são os filhos e os netos do “Maio de 68” que nos espartilham a vida com proibições, numa constante preocupação com o nosso bem-estar. Para diferentes regimes, diferentes os métodos com que “nos tratam da saúde”. Não foi nas paredes de um “PIDE” que li a célebre frase que nos prometia um mundo sem proibições? Quem me mandou acreditar?
E volto às paredes dos boulevards de Saint-Michel e Saint-Germain, que tanta sobriedade não se aguenta: “O álcool mata, tomem LSD”, que talvez vejam um coelho vestido de arco-íris!  

segunda-feira, 6 de abril de 2015

CANDIDATURA A BELÉM



Não sei se é por força da nova lei das rendas se é por causa da questão dos vistos Gold aos chineses, mas o certo é que anda por aí uma azáfama a respeito do arrendamento de um palácio cor-de-rosa, ali em Belém. A Maria disse-me que não admira uma vez que agora, com a saída dos coches, até sobra espaço na garagem. Preocupado com a reforma que tarda, entendi por bem ponderar os prós e os contras e apressar-me porque lá diz o ditado: “quem chega tarde não assiste à missa nem come carne.”
Aquilo está bem localizado, boa vista ao Tejo, frente alargada, transporte à porta, e ao domingo é um saltinho para a missa nos Jerónimos e os netos sempre podem ir com os skates para o CCB, que sempre se poupa na calçada dos pátios. E depois é como a Maria diz, o espaço na garagem ficou enorme!
Estava eu nesta minha reflexão quando a Maria, presuntiva e putativa primeira-dama, declarou alto e em bom som, que não me apoiaria e votaria em qualquer outro candidato ao lugar. Tudo isto porque o sítio não fica a distância segura dos pastéis de Belém, o que põe em risco a fina cintura que adquiriu com os jejuns da quaresma. Confesso que fiquei um pouco desiludido mas digamos, em abono da verdade, que se a Maria tem medo de engordar, eu embirro com os cortinados da sala azul mais o papel de parede. Bem sei que isto parece um pouco abichanado mas é o meu lado feminino a falar mais alto, e por falar em bichas, os gatos, apercebendo-se deste meu desidério e habituados que estão a ser donos e senhores de todos os aposentos da casa, assustaram-se com a ideia de terem de ficar confinados ao pátio dos bichos e desataram a destruir os estofos dos sofás enquanto soltavam miados lancinantes que mais pareciam aquele deputado do PS soltando despautérios contra outro presuntivo candidato.
Não me resta outra solução senão começar a pensar em pintar a casa de novo e, com muita mágoa e tristeza, comunicar a todos os meus amigos e possíveis apoiantes que não poderão contar comigo em Belém!