sábado, 31 de dezembro de 2016

NÃO DESEJO NADA PARA 2017


Não desejo nada para 2017. Lá diz o ditado: não desejes que Deus pode ouvir e fazer-te a vontade.
Para 2016 desejei gigantes na política contra os pigmeus que por lá pululavam. E gigantes tivemos… mas do lado errado. Do lado certo, que é o meu (claro) continuámos com os pigmeus do costume. O país que é (ainda será?) o mais poderoso do mundo escolheu para novo presidente um desenho de cartoon, e o gigante (mau) Putin, que prepara a aliança com o gigante (também mau) Erdogan, acaba de meter na ordem o pigmeu (bom) Obama: um presidente (pigmeu) que se comportou como o príncipe herdeiro de uma monarquia europeia, esquecendo que era o imperador do mundo!
Ouviste, ó Deus? Porta-Te bem para o ano e não oiças os desejos dos homens.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O NATAL E O SEU MARAVILHAMENTO


Na singular conexão entre Isaías 1,3; Habacuc 3,2; Êxodo 25,18-20 e a manjedoura, aparecem os dois animais como representação da humanidade, por si mesma desprovida de compreensão, que, diante do Menino, diante da aparição humilde de Deus no estábulo, chega ao conhecimento e, na pobreza de tal nascimento, recebe a epifania que agora a todos ensina a ver. Bem depressa a iconografia cristã individuou este motivo. Nenhuma representação do presépio prescindirá do boi e do jumento – Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré: a infância de Jesus, Cascais, Principia, p.62
Há uns natais atrás, escrevi uma crónica brincando com a suposta vontade do Papa Bento XVI em retirar o burro e a vaca do presépio. A pretensa notícia não era mais do que mau jornalismo que cada vez mais vai sendo comum. Para honrar aquele grande Papa, decidi começar por citá-lo, precisamente sobre a representação simbólica daqueles animais no mistério da Natividade.
O Natal é cheio de significado simbólico, onde a tradição religiosa pagã se mistura, com todo o à vontade, à tradição judaico/cristã, como em nenhuma outra festa cristã. O facto deve-se a ter-se feito coincidir a celebração do Natal com as festas do solstício de Inverno, quando acontece a noite mais longa do ano, para depois o Sol começar a subir no horizonte alargando os dias e vencendo as trevas. Surge assim Cristo como alternativa à divindade romana invicti Sollis.
Porque este ano me tornei avô de uma menina maravilhosa, lembrei-me de dar aqui testemunho de uma velha crença de Natal inglesa que a minha avó materna, sul-africana de origem inglesa, nos contava com toda a certeza no olhar, acreditando piamente no que dizia, não titubeando sequer quando a filha, a minha mãe, a confrontava perguntando-lhe se tal tinha visto, uma vez que se criara no campo. A lenda que minha avó nos contava está relatada num livro: The book of Days, de Robert Chambers, que afirma ser uma crença típica da região de Devon e da Cornualha, na Inglaterra.
Contava-nos a avó perante o nosso pasmo admirado e crédulo, que à meia-noite em ponto da véspera de Natal, o gado de todo o mundo se ajoelhava nos estábulos, em louvor do menino que nascera junto deles. Nós, meninos da cidade, mordíamos o lábio perante o sentimento de uma raiva surda, imprópria da época, por não termos a oportunidade de correr a um estábulo para nos maravilhar com o milagre, mesmo sabendo que a meia-noite de serões onde não havia televisão, não eram apropriadas para deslocações fora de casa.
É sempre com grande ternura, lembrando a lenda da avó, que coloco no presépio as figuras da vaca e do burro bem junto do menino, enquanto José e Maria mais afastados tentam perceber o que aqueles animais sem compreensão, tal como as crianças, entenderam tão bem.  

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

RESTAURAÇÃO PRECISA-SE


Quando Marcelo Rebelo de Sousa, presidente eleito da república portuguesa se curvou perante a rainha de Inglaterra, eu não gostei. Sendo eu um grande admirador da pessoa de Elizabete II e que nutro simpatia q.b. pelo regime monárquico, não gostei, no entanto, de ver o representante de uma nação curvar-se perante a representante de outra nação. Pela mesma razão me senti ofendido com a birra malcriada dos deputados do Bloco de Esquerda quando se recusaram conceder um gesto de respeito e consideração pela nação espanhola, convidada da nação portuguesa, nas pessoas dos seus representantes. Que não alinham em poderes baseados no nascimento, disseram, esquecendo que Filipe VI não tem poderes para além da representação de um Povo que o é, tal como o rei, baseado na circunstância do nascimento dos que o constituem.
Os deputados do bloco, cujo lugar na casa de uma república nunca referendada com uma constituição também ela não referendada, lhes foi concedido por 10.18% dos votos expressos, ou sejam, 550 945 votos, esqueceram que o rei de Espanha tem a sua legitimidade de representação (e não de poder) no voto expresso por 88.54% dos eleitores espanhóis que referendaram a constituição que previa o regime monárquico, num total de 15 706 078 votos. Esqueceram, por exemplo, que todos os actos do rei são referendados pelo presidente do governo, ou pelo presidente do congresso ou, imagine-se por um ministro que, ao contrário dos antecedentes, não é eleito. Coisa diferente aconteceu em Cuba que, sendo república, seguiu uma transição de poder de estilo monárquico sem qualquer referendo ou votação e sem que beliscasse o sono dos revolucionários portugueses.
Esqueceram-se assim os deputados do Bloco que somos nação por nascimento daí o simbolismo da figura de um rei. É essa circunstância de nascimento que nos permite votar, ao contrário de um estrangeiro que aqui viva, trabalhe e pague impostos. Foi a circunstância de termos nascido em Portugal que nos faz portugueses e que nos impede de votar para sermos espanhóis, por exemplo, porque tal vontade está proibida pela constituição portuguesa. A nossa vontade de ser ou não desta Nação está vedada. É por isso que hoje comemoramos o 1º de Dezembro, dia da restauração da independência. Porque nascemos em Portugal ou de pai ou mãe portugueses.
O dia da restauração da independência não aconteceu por vontade expressa das populações, mas por vontade de uma elite que pôs no poder o representante dos Braganças, família que D. João II tanto combateu ao ponto de condenar à morte, 150 anos antes, o duque de Bragança do tempo, porque o impedia de prosseguir políticas de engrandecimento da nação e da defesa da população explorada pelos privilégios das elites portuguesas. Talvez por isso, o duque de Bragança feito rei, como modo de redimir os erros dos antepassados, tenha entregue a Nação ao cuidado de Nossa Senhora da Conceição entregando-lhe a coroa de Portugal.
Não faço ideia o que pensam sobre a protecção de Nossa Senhora, os que hoje comemoraram e discursaram no largo dos Restauradores (parece que há por aí uns pândegos que querem que o Papa não venha cá prestar homenagem àquela que é rainha de Portugal por força da circunstância de ter havido o 1º de Dezembro, porque eles não acreditam que, sendo rainha, apareça ao Povo em cima das árvores). Sei, contudo, que um senhor que não conheço, disse no seu discurso que sem o 1º de Dezembro de 1640 não teria havido o 25 de Abril. E eu, lembrando o Tarrafal, a censura e a PIDE, pus-me a pensar com os meus botões que bom seria não ter havido razões para o 25 de Abril.
Assim vai a indigência do pensamento das nossas elites e deputados, o que me leva a desejar uma nova restauração das mentalidades presas aos arquétipos revolucionários de um romantismo serôdio retirado do baú do século XIX.

sábado, 26 de novembro de 2016

O PIOR DOS DITADORES


Morreu o pior dos ditadores. O pior, não porque fosse o mais sanguinário, mas porque foi o que mais defraudou a esperança de liberdade de um Povo.

Quando em 1959, Fidel Castro liderou a justa e necessária revolução com que um Povo humilhado queria construir um mundo novo, tirou do poder um ditador para lá colocar outro: ele próprio.


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

sábado, 29 de outubro de 2016

O COMBOIO, UMA EFEMÉRIDE MEDÍOCRE



Quando era miúdo vi um filme com o António Calvário e a Madalena Iglésias que se chamava “Sarilho de Fraldas”. Já o Charlot tinha filmado estonteantes perseguições policiais, quando neste filme da década de 60, o polícia encarregado da perseguição ao fugitivo, que se escondera algures nas serras de Portugal, diz para o colega, na calma de um gabinete lisboeta e com um ar de extrema eficiência e determinação: - Ainda esta noite estarei no Carregado! Deixando o colega e os espectadores, atordoados pela velocidade vertiginosa e perigosa que o policial precisaria para chegar de Lisboa ao Carregado a tempo da ceia, enquanto o perigoso fugitivo (António Calvário) já se embrenhava por entre o Douro e Minho.
O policial cinematográfico deslocar-se-ia de carro, mas em 1856 poderia ter ido de comboio, pois foi o ano em que se inaugurou a primeira viagem de comboio em Portugal. Bastante atrasada em relação ao resto da Europa, atraso a que o Marquês de Pombal, já morto e enterrado há 74 anos, foi, de certo modo, responsável (um dia explico porquê). O Carregado é assim a fronteira simbólica da interioridade portuguesa (e da sua mediocridade).
A construção da via férrea entre Lisboa e o Carregado durou três anos, a uma média de 12 km por ano, e terminou 11 anos depois de se ter decidido contruir a via férrea. Por que razão se escolheu Lisboa e o Carregado é algo para mim incompreensível. Antes do comboio, as mercadorias saltavam montes e vales, atascando-se na lama dos caminhos, para chegar ao Carregado onde depois embarcavam e desciam suave e seguramente o Tejo até Lisboa. Depois da inauguração do comboio as mercadorias continuaram a saltar montes e valas e a atascarem-se na lama dos caminhos para chegar ao Carregado para depois descerem até Lisboa aos solavancos, poluindo a zona ribeirinha com o fumo do carvão que substituía o vento nas velas dos barcos do Tejo. A linha férrea deveria ter começado sempre pelo Norte (Porto, estou contigo, mas é só desta vez). Na moderna Inglaterra foi por Manchester e Liverpool que começou e não por Londres.
No dia 26 de outubro de 1856, faz agora 160 anos, a viagem de 36.5 km entre Lisboa e o Carregado durou 40 minutos a uma estonteante velocidade de 54 km/hora. A volta foi mais complicada, tendo que se fazer em duas viagens porque as locomotivas envolvidas no processo recusaram-se a arrastar tanta gente depois de um lauto banquete que correu muito bem, como nestas coisas sucede sempre (correrem muito bem os banquetes). Pela noitinha, já burgueses e realeza descansavam em suas casas de toda a excitação provocada pela incursão “ao interior” do país. A história não relata se houve ou não ataques de índios ferozes e ululantes, ou de negros liderados pelo régulo Mawewe, tio do Gungunhana, mas creio que não, que a população da beira rio é pacífica por natureza.
Na Rússia, um país bastante atrasado em relação à Alemanha e Inglaterra, há muito que se viajava de comboio, e cinco anos antes da viagem ao Carregado, já se podia percorrer por caminho de ferro os 713 km que separam Moscovo de San Petersburgo, distância maior que a que separa a ria Formosa do rio Minho.
Não me apetece nada comemorar uma efeméride que denuncia a estupidez de tantas decisões tomadas em gabinetes onde despontam carreiristas que não vêm além do seu ventre, desde o tempo do Fontes até aos dias de hoje, com honrosa excepção para o mesmo Fontes. Se duvida, leia os últimos episódios sobre este país de licenciados (e a-mestrados), a substituir os bacharéis do Eça. Um deles tinha motorista para o levar diariamente, não ao Carregado, mas a S. Martinho do Porto, onde o comboio para mesmo na praia.
Não comemoro a efeméride porque duvido que consiga chegar a tempo ao Carregado!

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA, QUE HORROR!


Vai por aí um charivari por causa da atribuição do prémio Nobel da literatura a Bob Dylan, um escritor de canções populares. Uns porque não reconhecem qualquer valor literário ao cantor, outros porque, gostando muito do cantor, não acham que a sua categoria se encaixe em literatura, como se a Academia Sueca se tenha preocupado com a Literatura quando atribuiu o prémio a um historiador, Theodor Mommsen, já em 1902, só porque o homem escreveu a monumental História de Roma, ou a Winston Churchill por causa das suas memórias da 2ª Guerra Mundial.
Julgo que qualquer das facções, os que estão a favor e os que estão contra, estão pelo menos de acordo quando ambos erram na sua apreciação: os que estão contra porque Dylan é um “marginal”, e os que estão a favor porque precisamente acham que Dylan é um “marginal” e, por isso, uma pedrada no charco.
Dos grandes escritores, desde a antiguidade, é conhecida a sua propensão para a marginalidade. Bob Dylan ao pé de alguns dos maiores é um menino bem-comportado. Verlaine, Baudelaire e Rimbaud são grandes nomes da literatura francesa e não vos conto aqui os pormenores das suas vidas porque este é um blog decente e tenho propensão a corar. Dylan fumou umas coisas? O Camilo Pessanha, um dos nossos maiores poetas que viveu quando muitos de nós não éramos nascidos, morreu de uma overdose de ópio. Allan Poe, Baudelaire, fumavam e tomavam coisas que não lembram ao diabo. Nenhum dos que agora se insurgem contra a atribuição do prémio a Dylan se atreveria a convidar para almoçar (já nem digo jantar) o nosso poeta Bocage, o maior da língua portuguesa depois de Camões, estando presentes a esposa e as filhas. Já a presença de Dylan ao jantar despertaria a curiosidade e a intromissão das vizinhas a pedir autógrafos e nenhuma mancha cairia sobre a honra da casa. Pelo que faz muito bem a Academia em não se ralar com a maior ou menor marginalidade dos premiados. O prémio é pelo valor poético e não pelos cabelos compridos e o olhar de bêbado.
Vamos lá a ver. A cultura a ser premiada deve ser a forma erudita de produzir arte. Ora não é por Dylan cantar os seus poemas de uma forma popular que estes perdem o seu valor erudito. Amália cantou na forma popular do fado a erudição de Camões. A música de Dylan enquadra-se na arte popular e não erudita, mas os seus poemas, não tenho dúvidas, são fruto de uma erudição que demonstram conhecimento das estéticas artísticas da cultura dita não popular.
A poesia do rei David expressa-se nos belíssimos salmos, expressão literária do mais fino recorte que se pode ler na Bíblia. Eram todos cantados pelo próprio David que, ao que consta, não frequentou o conservatório (e já agora, um grande marginal que dançava nu pelas ruas). Os poemas de Dylan seguem assim o longo caminho trilhado desde a antiguidade, de cantar letras eruditas nas formas musicais populares. Foi assim com toda a trovadoresca provençal que nos deu as nossas cantigas de amigo e de amor e as cantigas de Santa Maria de Afonso X. Formas literárias eruditas cantadas em estrofes que vinham da tradição popular: a génese da nossa literatura são as cantigas. O primeiro registo literário da nossa língua é a cantiga de Paio Soares de Taveirós, chamada a “cantiga da Ribeirinha”, dedicada a uma cortesã (forma simpática de chamar prostituta), concubina do rei Sancho I.
O que interessa mesmo é saber se as “letras” do Dylan são ou não literatura, superior à História de Roma ou às biografias do Churchill. O melhor é lê-las e, para os mais sensíveis, esqueçam lá a gaita e a voz rouca e lembrem-se de que não é a primeira vez que um músico ganha o Nobel da Literatura (já aconteceu em 1913):

SAD EYED LADY OF THE LOWLANDS

With your mercury mouth in the missionary times,
And your eyes like smoke and your prayers like rhymes,
And your silver cross, and your voice like chimes,
Oh, do they think could bury you?
With your pockets well protected at last,
And your streetcar visions which you place on the grass,
And your flesh like silk, and your face like glass,
Who could they get to carry you?

Sad-eyed lady of the lowlands,
Where the sad-eyed prophet says that no man comes,
My warehouse eyes, my Arabian drums,
Should I put them by your gate,
Or, sad-eyed lady, should I wait?

With your sheets like metal and your belt like lace,
And your deck of cards missing the jack and the ace,
And your basement clothes and your hollow face,
Who among them can think he could outguess you?
With your silhouette when the sunlight dims
Into your eyes where the moonlight swims,
And your match-book songs and your gypsy hymns,
Who among them would try to impress you?

Sad-eyed lady of the lowlands,
Where the sad-eyed prophet says that no man comes,
My warehouse eyes, my Arabian drums,
Should I put them by your gate,
Or, sad-eyed lady, should I wait?

The kings of Tyrus with their convict list
Are waiting in line for their geranium kiss,
And you wouldn't know it would happen like this,
But who among them really wants just to kiss you?
With your childhood flames on your midnight rug,
And your Spanish manners and your mother's drugs,
And your cowboy mouth and your curfew plugs,
Who among them do you think could resist you?

Sad-eyed lady of the lowlands,
Where the sad-eyed prophet says that no man comes,
My warehouse eyes, my Arabian drums,
Should I leave them by your gate,
Or, sad-eyed lady, should I wait?

Oh, the farmers and the businessmen, they all did decide
To show you the dead angels that they used to hide.
But why did they pick you to sympathize with their side?
Oh, how could they ever mistake you?
They wished you'd accepted the blame for the farm,
But with the sea at your feet and the phony false alarm,
And with the child of a hoodlum wrapped up in your arms,
How could they ever, ever persuade you?

Sad-eyed lady of the lowlands,
Where the sad-eyed prophet says that no man comes,
My warehouse eyes, my Arabian drums,
Should I leave them by your gate,
Or, sad-eyed lady, should I wait?

With your sheet-metal memory of Cannery Row,
And your magazine-husband who one day just had to go,
And your gentleness now, which you just can't help but show,
Who among them do you think would employ you?
Now you stand with your thief, you're on his parole
With your holy medallion which your fingertips fold,
And your saintlike face and your ghostlike soul,
Oh, who among them do you think could destroy you?

Sad-eyed lady of the lowlands,
Where the sad-eyed prophet says that no man comes,
My warehouse eyes, my Arabian drums,
Should I leave them by your gate,
Or, sad-eyed lady, should I wait?

terça-feira, 11 de outubro de 2016

MAS EM ALEPPO...



Um homem que pilota aviões matou. Foi decretado o recolher obrigatório a três pequenas aldeias da Serra da Freita tal qual no Mundo que se vê nas notícias. Os táxis chateiam-se com os Uber (ladrão que rouba a ladrão…). Um taxista falou qualquer coisa sobre a violação das virgens e o mundo escandalizou-se com este Trump da rotunda do relógio. Marcelo condecora o rei de Marrocos e o Estado Islâmico insulta-os (com a ordem de Santiago? Não havia necessidade…). Enquanto o matador não for preso os aldeões não podem sair porque está frio e é noite e é recolher obrigatório. Saí eu e fui ver: chuviscava. O Outono aí está e a ordem regressará pouco a pouco: nem um táxi se vê e as minhas couves já não são galegas e dão brócolos!
Mas em Aleppo…

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O PECADO DA IGREJA É SALVAÇÃO PARA MUITOS ou como se vende uma Bíblia sem bênção


Conheço alguém que professou numa igreja evangélica com a entrega, fervor e maniqueísmo, que por vezes caracteriza aqueles que abandonam a tradição das suas crenças pela novidade de outras. Com o mesmo fervor com que entrou, saiu. Crente que os livros sagrados são a palavra inviolável de Deus, não resistiu quando soube que uma tradução do Novo Testamento para a língua que os esquimós falam, feita pela sua Igreja, substituíra a palavra camelo por foca. A razão era simples: os esquimós não conseguiriam perceber a célebre parábola sobre a dificuldade que os ricos têm em penetrar no reino dos céus pela simples razão que não faziam ideia de como era um camelo, mas percebiam perfeitamente das dificuldades que uma foca teria para passar pelo buraco de uma agulha, apesar de continuarem sem perceber o que era um rico.
Assim parece estar Frederico Lourenço que se propõe a traduzir a Bíblia no seu significado textual, contrário às traduções das igrejas cristãs que nos “escondem” que pecado é afinal erro, e servo não passa de um escravo. Quer nos ver gregos por causa do mau latim que diz que pecado é um erro na forma popular, mas a culpa é sempre a mesma, ao contrário do que dizem que Lourenço diz, que há erro sem culpa, só porque não é pecado. E eu dou graças a Deus por ter sido Aquilino Ribeiro a traduzir Xenofonte e não Frederico Lourenço, para que a “Retirada dos Dez Mil” possa ser lida pelo mais saloio porque está traduzida para o genuíno vernáculo pecaminoso das ruas de Lisboa, passando por cima dos errores da língua grega, permitindo que Xenofonte diga “que ando a armar-vos uma estrangeirinha”, coisa que Frederico Lourenço jamais admitiria (que armou uma estrangeirinha).
Tal como os esquimós não entendem um camelo, nem um rico, também o povo leitor da Bíblia não entende que o escravo da antiguidade clássica não é o são tomense Rei Amador, nem o negro Jim do Tom Sawyer, por isso a Igreja lhe chamou servo e não escravo, para evitar confusões que não esclarecem. E porque elaborar no erro tem as suas consequências, sobem-me da mesma forma os triglicéridos quando incorro no erro de repetir a “mão de vaca” mesmo que recuse chamar-lhe pecado da gula. É que os triglicéridos, como a culpa, não perdoam!
Como o Xenofonte do Aquilino, digo que isto não passa de uma estrangeirinha dos media e das editoras, que o autor é mais sério que isso. É que não há melhor forma para o sucesso da venda de um livro, do que clamar alto e bom som que o mesmo vai revelar algo que a Igreja quis esconder, antes que descubram que afinal sempre esteve desvelado. O pecado (ou o erro?) da Igreja é salvação para muitos!
Eu espero comprar a Bíblia que Frederico Lourenço vai traduzir. O meu leitor faça o mesmo. Para benefício das letras e da nossa erudição. Mas não caia na esparrela dos jornais, de pensar que vai descobrir que os reis magos não eram três, que o burro e a vaca somos nós todos, e na manjedoura está o nosso alimento. Isso vai ter de descobrir por si.

(só para os mais novos: estrangeirinha é uma expressão típica de Lisboa, desconhecida dos clássicos gregos que não conheciam as coristas espanholas dos nossos cabarés, e que significa artimanha para lograr, tranquibérnia, velhacaria).

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A ANTENA DOIS E A INVENÇÃO DO PRESERVATIVO COM TROMPAS DE FALÓPIO À MISTURA


A Igreja católica tem a função ingrata de fazer recair sobre si a culpa da maior parte da estupidez dos homens, como se fosse ela a causadora dessa estupidez e não dos homens que carregam tal qualidade.
Num programa de rádio (antena dois) ouvi um senhor, que não fixei o nome, falar sobre Gabriele Fallopio, e como este famoso anatomista do século XVII descreveu o aparelho reprodutor masculino e feminino, ficando para sempre conhecido pela sua descrição das trompas de Falópio. Dizia o senhor, perante a admiração bacoca do locutor, que o senhor Fallopio muito sofreu para fazer os estudos de anatomia devido à proibição que a Igreja impunha sobre a dissecação dos cadáveres. Acrescentou depois que, não obstante, o Sr. Fallopio descobriu o clítoris e o orgasmo feminino, enquanto o locutor ejaculava ahs de admiração e espanto.
Não digo que algum clero mais retrógrado não se opusesse à dissecação dos cadáveres. Ainda hoje tal prática repugna os mais sensíveis, e na Grécia antiga, sempre tão liberal, tal prática era proibida, tal como na Roma pagã, enquanto no Egipto se fazia à tripa forra. O estudo da anatomia em corpos é muito mais antigo que o Sr. Fallopio e as suas trompas. Se a Igreja proibia não sei, mas sei que Mondino de Luzzi realizou dissecações públicas no início do século XIV, trezentos anos antes das descobertas de Fallopio, em Bolonha, mesmo nas barbas do Papa. E sei que Frederico II, imperador da Alemanha e das Sicílias, em princípios do mesmo século XIV, obrigou a que os futuros médicos estudassem anatomia em cadáveres humanos e que tal prática já era feita no século anterior, também em Itália, à sombra da Igreja católica. Que Fallopio tenha tido problemas com alguns sectores da Igreja, do clero e da opinião pública sobre o uso de cadáveres, acredito que sim, mas não é rigoroso, e estamos no campo da ciência em que o rigor é essencial, que afirmem que havia uma proibição da Igreja.
E depois o gozo feminino que o senhor diz ser descoberta do Fallopio. E eu sou obrigado a chamar em socorro a minha querida monja do século XII, Hildegard de Bingen, que, entre outras coisas, descreveu tão bem e tão poeticamente, esse orgasmo feminino que ela tão bem conhecia, vá-se lá saber porquê. E não era em segredo que o murmurava, mas em livros abençoados pelo alto clero da Igreja católica que se curvava à sabedoria feminina de Hildegard.
E o clítoris, senhores? Uma descoberta da ciência renascentista europeia?! Na altura em que iniciávamos a colonização do mundo e que nos abismávamos com o conhecimento que tantos “médicos” tradicionais africanos tinham do botãozinho prazeroso que até o excisavam, desde a mais antiga antiguidade, passe o pleonasmo. Aproveito para afirmar que não, não se trata de uma prática islâmica. Como é que estes “selvagens” cortavam o dito coiso se o Sr. Fallopio ainda o não tinha descoberto?
Tenho uma grande admiração pelo conhecimento e cultura europeia, mas não exageremos. E nem a Renascença foi um descobrimento, mas antes o galopar de um cavalo que até aí, durante toda a Idade Média, trotara com garbo ensaiando por vezes esse galopar renascentista muito antes do século XV.
Lembrem-se que nem a pólvora descobrimos!
E agora uma fofoquice, daquelas picantes. Já ouviram falar na nossa princesa Catarina de Bragança que deu o chá a beber aos ingleses?! Pois a senhora, para nossa salvação, casou com o rei Carlos II de Inglaterra. O moço, para além da rainha portuguesa, tinha muitas amantes e um medo de morte da sífilis, mal que foi “descoberto” pelos navegadores quando chegaram à América. Vai daí o conde de Condom (perceberam a piada? É o nome que os ingleses dão às camisinhas!), entregou ao rei uma “luva” oleada e feita com intestino de carneiro, coisa aprendida com o italiano Fallopio. E por que vos falo destas histórias de alcova? Porque o tal senhor da Antena dois, causando ainda maior espanto ao locutor, afirmou que o sr. Fallopio também tinha inventado a camisinha. Ora o que o Fallopio, coitado, fez, foi prescrever a camisinha, que já os egípcios usavam para a contracepção, para defesa contra as doenças venéreas, principalmente essa “filoxera” que vinha da América e que dava pelo nome de sífilis.
É que o Fallopio não descobriu nem inventou coisa alguma. Limitou-se a descrever o funcionamento daquilo que já se sabia desde o tempo em que o Moisés rogou as sete pragas contra o Egipto. Em abono do Fallopio, devo dizer que ele descreveu muito bem as tais trompas e descobriu que não senhor, os cavalheiros não penetravam o útero. Passaram as damas a dormir muito mais descansadas desde então, menos o tal conde de Condom que não achou piada nenhuma por ver associado o nome da família a tal peça intestinal.
       Não se sabe, nem o tal senhor da Antena dois disse, sobre o que pensava o Papa a propósito da “invenção” para cavalheiros do Sr. Fallopio.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

ALICE


Nasceste hoje, mas não te vimos, a não ser nas fotografias que o teu pai nos mostrou. Porque não sei escrever poemas, deixo-te este de Antero de Quental, porquenão quero imperar nem já ser rei, senão tendo meus reinos em teu seio, e súbditos, criança, em teus bonecos!”
À minha neta, Alice.

Pequenina

 Eu bem sei que te chamam pequenina
 E ténue como o véu solto na dança,
 Que és no juízo apenas a criança,
 Pouco mais, nos vestidos, que a menina...

 Que és o regato de água mansa e fina,
 A folhinha do til que se balança,
 O peito que em correndo logo cansa,
 A fronte que ao sofrer logo se inclina...

 Mas, filha, lá nos montes onde andei,
 Tanto me enchi de angústia e de receio
 Ouvindo do infinito os fundos ecos,

 Que não quero imperar nem já ser rei
 Senão tendo meus reinos em teu seio
 E súbditos, criança, em teus bonecos!

Antero de Quental, in "Sonetos"

domingo, 18 de setembro de 2016

NEM ÓPERA NEM FADO


Um jornalista vasculha a vida sexual dos outros, enquanto um ex-primeiro ministro lhe apresenta o livro que não leu. O país ouve um coro de protestos. Que é o abrir de uma caixa de Pandora, diz outro jornalista, desmemoriado, esquecendo-se que há tempos, outra jornalista, resolveu retirar do armário os esqueletos de pessoas já falecidas. É claro que a jornalista é de esquerda e os esqueletos de direita, pelo que tudo se perdoa e se esquece. Agora o jornalista parece ser de direita e os esqueletos vão da direita à esquerda, passando pelo centro. Que se vendam muitos livros para benefício da receita fiscal, agora que os políticos andam a dizer que é preciso tirar dinheiro a quem poupa, quando deveriam dizer que é preciso tirar dinheiro a quem o ganha com o suor do rosto dos outros.
Jorge Jesus recusa calar-se e vai dizendo que futebol não é ópera nem fado, onde o silêncio é obrigatório. Grita Jesus, que o mal está no pouco gritar.
E quando andamos assim distraídos, não é que um garoto de 14 anos, em Calais, resolveu tentar saltar para cima de um camião que rumava ao ferry para Inglaterra?! O irmão vive lá e isso dava-lhe o direito de para lá ir sem acrobacias. Cansou-se de esperar, que as burocracias não são só cá. Quem é que gosta de esperar quando se tem 14 anos? Caiu na auto estrada, foi atropelado e morreu. Era do Afeganistão, terra de gente feroz que em tempos jogava polo a cavalo, com a cabeça dos inimigos, no meio de muita gritaria que lá não há ópera nem fado.
Um dia se escreverá um livro, um fado e uma ópera sobre o assunto. Entretanto constrói-se um muro que é para que mais miúdos não se atrevam a ter pressa. E choraremos quando o pano cair, para não termos de perguntar por quem os sinos dobram, porque temos medo da resposta que já conhecemos.
Porque tudo é espectáculo a que assistimos impávidos e serenos. Devíamos fazer como Jesus e gritar com os árbitros, com os jornalistas, com os políticos, com todos, até que percebam que isto não é nem ópera nem fado.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

CANÇÕES DE EMBALAR

Uma das mais antigas e interessantes tradições musicais é a canção de embalar. Lullaby ou cradle song em inglês, berceuse em francês ou wiegenlied em alemão. A sua função principal é adormecer os bebés, mas servem também para passar a tradição e a cultura, e sobretudo reforçar os laços entre mãe e filho, no pressuposto que devem ser as mães a embalar os filhos ao som de uma canção, mas os pais podem fazê-lo. Eu cantava para os meus filhos a ária da Madame Butterfly, “Un bel di vedremo”. Um baixo tentando cantar árias de soprano…! Só o psicanalista poderá avaliar os estragos causados.
Tem reconhecido valor terapêutico. Devem ser melodias simples, com intervalos consoantes uma vez que se provou que os bebés perdem o interesse com as dissonâncias. A preferência vai também para canções sem qualquer acompanhamento musical, pois o bebé fixa-se melhor no som da articulação das palavras.
Tive a sorte de ouvir muitas vezes a minha mãe cantar-me canções de embalar. Era sempre a mesma, em inglês, “rock-a-by baby”. Até hoje não faço a mínima ideia da letra (já a achei na internet). A minha avó, que era inglesa, cantava em português a canção brasileira: “Encosta a tua cabecinha ao meu ombro e chora”, e nós adorávamos, mas já éramos granditos para embalos ao peito.
Hoje já não se canta em casa, junto ao berço ou no trabalho e é uma pena. Põe-se os phones nos ouvidos ligados ao telemóvel, e adiante. Há tanto curso para futuros pais, mas nenhum que os ensine a cantarem canções de embalar aos filhos. Devia ser obrigatório. Nenhuma criança devia sair da maternidade sem que os pais fizessem prova de canto! À atenção dos senhores governantes.

Uma das canções de embalar mais famosa é o wiegenlied de Johannes Brahms, que aqui deixo como inspiração para os futuros pai e mãe da família. Para estar em linha com a modernidade da igualdade de género e das famílias alternativas, a versão é cantada por dois homens. O importante é que cantem para os vossos filhos.



terça-feira, 30 de agosto de 2016

MAMAS AO LÉU


Agora que anda tudo aflito porque umas querem o lenço na cabeça e outras querem as mamas ao léu (quem é que não quer?), lembrei-me da Nazaré. Afinal o Verão ainda não acabou.
Não foi bem por causa das mamas ao léu que me lembrei da Nazaré, embora fosse um bom motivo, mas porque enquanto esperava no supermercado entretive-me a ler um livro que por lá se vende, sobre os lugares sagrados de Portugal. Excelente livro, mas não comprei. Eu sei! Sovinice minha. E a Nazaré é famosa em todo o mundo, por causa do Mcnamara, e do canhão submarino que faz ondas gigantes e dá o “pão” às suas gentes.
Mas a Nazaré já era famosa antes desta onda, só que se esqueceram. É como as marés. Vai e vem. Já por lá estiveram o Vasco da Gama, a rainha Dª Leonor da Áustria que foi casada com D. Manuel I e era filha de Carlos V, o dono disto tudo, literalmente, e depois foi rainha de França, a D. Leonor, não o Carlos V. (Ainda dizem que agora é que se fazem currículos). A Isabel II da Inglaterra também por lá passou para ver as nazarenas dançarem, mas não subiu ao Sítio e não sabe o que perdeu. S. Francisco Xavier, que é venerado em Goa por cristãos e hindus, também lá foi. Porque a Nazaré sempre foi famosa por causa da sua Senhora. A onda há-de passar, mas a Senhora lá ficará a cuidar das suas gentes. A Senhora de lenço na cabeça, alimentando ao peito o seu filho, e que dá o nome à terra.
A lenda que eu conhecia da Senhora da Nazaré era uma história comum, igual a tantas outras, mas estava enganado. Que o Fuas Roupinho, general de Afonso Henriques e o fundador da nossa marinha, a tinha descoberto debaixo da lapa onde parou o cavalo evitando que caísse no precipício que ali existe. Afinal o Fuas Roupinho já venerava a Santa que era ali conhecida há muito. Salvou-se porque a invocou a tempo de evitar cair quando caçava. Foi um milagre da Senhora, mas não a sua descoberta. Talvez o começo de uma peregrinação.
A história é digna de ser lida e aprendida. Pena que já poucos a conheçam e a que não se dá a devida publicidade. Eu não vou contá-la porque está tudo escrito num pergaminho deixado por um velho monge que ali se acoitou fugido aos mouros: Frei Romano.
Frei Romano foi ali parar juntamente com, imaginem, D. Rodrigo, o último rei visigodo da península, vencido pelos mouros na batalha de Guadalete em 711. Os dois fugiram trazendo com eles a veneranda imagem da Senhora sentada num banco dando de mamar ao filho que trazia ao colo. A imagem seria já muito venerada na própria cidade da Nazaré da Galileia e teria sido esculpida pelo próprio S. José, enternecido ao ver Maria sentada na carpintaria dando de mamar ao filho. Não é uma ternura!?
Depois parece que S. Lucas a pintou (Lucas já pintara, de acordo com a Tradição, o ícone da Virgem de Constantinopla e que trouxeram (roubado) para Veneza). Um monge grego ofereceu-a a S. Jerónimo, este deu-a a Santo Agostinho, e o maior filósofo da Igreja entregou-a ao mosteiro de Cauliniana, em Mérida, na Espanha. Dali veio refugiar-se nos penhascos da Nazaré, que era o fim do Mundo conhecido.
E se frei Romano se tornou ermitão no Sítio, tendo por companhia a Senhora e o menino, o rei Rodrigo refugiou-se no monte Seano, hoje monte de São Bartolomeu, e ali ficou contemplando o Sítio onde sabia estar a Virgem e o menino.
E agora vou confessar-vos um pecado gravíssimo, que isto de falar de mamas ao léu, sejam as de Nossa Senhora ou das meninas na praia, exige confissão: Nunca visitei o monte de São Bartolomeu, a sua capela e a velha igreja de S. Gião. Falta indesculpável. Também, é certo, que não sabia que tinha sido morada de um rei! Só prova que andamos todos desatentos ao que nos rodeia. Foi preciso uma visita ao escaparate de um supermercado!
A Nazaré é famosa? Ah, pois é!

sábado, 20 de agosto de 2016

IDIOTICES E ALTA COSTURA


Desculpar-me-á o leitor por começar esta crónica com uma referência ao livro do Génesis, mas de todos os da Bíblia é um dos meus preferidos, para não dizer mais, para não ofender a riqueza teológica de outros. Logo nas primeiras páginas daquele livro encontramos a história do início da alta costura. Alta porque, efectivamente vinda do alto.
Estavam Adão e Eva no Paraíso quando decidiram comer o fruto da árvore proibida (esqueçam a maçã que nunca fez mal a ninguém e não aparece no livro que cito). Aconteceu o que acontece a muita gente que come o que não deve, sentiram-se envergonhados por se descobrirem nus. Vai daí e puseram à volta da cintura uns saiotes feitos com folhas de figueira (esqueçam as parras de videira que não são suficientemente grandes para esconderem os atributos dos pais da humanidade e também não são citadas no livro). Continuando a narrativa do Génesis, o Senhor Deus resolveu passear-se, pela brisa da tarde (o que prova que o Paraíso não devia ser longe daqui, da zona oeste) e deparou com o estado deplorável, sem gosto, dos saiotes dos nossos antepassados. Condoído, o Senhor Deus fez-lhes umas túnicas com a pele de uns animais (os animais tinham já morrido de velhice, pronto), que devem ter ficado lindíssimas, as túnicas, pois o gosto estético do Criador é incontestável.
Serve assim a roupa, com gosto ou sem ela, para esconder a vergonha de nos sentirmos nus. É assim, e sempre foi assim. Obrigar alguém a despir-se só porque os outros não têm vergonha, nem o Senhor Deus se atreveu mesmo quando se envergonharam do corpo que Ele lhes deu.
            Logo após a revolução francesa, foi decretada uma Lei que dizia: "nenhuma pessoa de qualquer sexo poderá constranger qualquer cidadão a vestir-se de uma maneira específica sob pena de ser considerada e tratada como suspeita e perseguida como perturbadora da ordem pública: cada pessoa é livre para vestir-se de acordo com o seu sexo como lhe convém”.
Sábia lei esta dos revolucionários que nem sempre se lembraram da frase de Cícero: “Não basta conquistar a Sabedoria, é preciso usá-la”.
            Estamos habituados a ver nos franceses um elevado sentido e gosto estético, pese embora a falta de estética na escolha dos seus presidentes (com honrosas excepções para as primeiras damas), mas também a admirar o seu gosto pela liberdade. Proibir o acesso às praias do país a mulheres vestidas da cabeça aos pés é um insulto à História, à Liberdade e ao Bom Senso. O ridículo de tamanha estupidez revela-se quando o fato (não o facto) que pretendem proibir é em tudo idêntico ao fato dos surfistas. Que se proíba alguém de tapar a cara terá todo o meu apoio. É uma questão de segurança e nem sequer pode ser questionado em termos religiosos. O Islão não obriga a tapar a cara nem as mãos. A obrigação é um hábito cultural que nós consideramos um abuso. Quem não quiser ser visto, fique em casa.
Outra coisa é obrigar alguém a despir-se. Tenham paciência. Quem defende tal coisa só pode ser um idiota. Repito: IDIOTA, com todas as letras. Eu quero ter o direito de ir à praia de calças, meias e sapatos e camisola de gola alta, embora as não consiga usar, e de barrete enfiado na cabeça. É assim, aliás, que vejo muitos pescadores na nossa praia da Foz do Arelho.
Há muitos anos, quando era jovem adolescente (foi há tanto tempo), li um conto de Edgar Alan Poe cujo título era “The Sistem of Dr.Tarr and Prof. Fether”. Apesar do título e da cidadania americana do escritor, a história passa-se no Sul de França. Não imaginava eu que tantos anos depois o Sul de França me trouxesse à lembrança aquele conto. Nele, que traduzido dá: “o sistema do Doutor Alcatrão e do Senhor Pena”, Edgar Poe conta-nos a história de um manicómio onde se tratavam os idiotas com demasiada brandura. De tal forma que não tardou que os idiotas tomassem conta do hospital e prendessem os sábios, tratando-os a alcatrão e penas. Foi o que nos aconteceu. Os idiotas tomaram conta disto tudo e transformam este mundo num imenso manicómio. Se duvidam leiam as últimas sobre a nomeação dos gestores da CGD.
Apetece-me terminar como termina o conto de Egar Poe referindo-se ao sistema de alcatrão e penas, mesmo correndo o risco de vos dar ideias sobre o tratamento a dar aos idiotas que nos governam, aqui e no Mundo!
“… um sistema verdadeiramente excelente, de facto...  simples… asseado… sem complicações … delicioso deveras… Era…”

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O QUE PENSAM OS MORTOS?


Talvez não erre se disser que até ao aparecimento da besta, ou balestra, a guerra fazia-se à custa da força, perícia e destreza dos soldados que nela participavam.
Vem isto a propósito por estar a escrever no dia em que se comemora mais um aniversário do lançamento da bomba atómica sobre Nagasaki. Os que defendem que o uso das bombas atómicas no Japão evitou maior número de mortos, argumentam que os japoneses jamais se renderiam em caso de uma invasão terrestre. Os que argumentam em sentido contrário dizem, e entre eles nomes sonantes do aparelho militar americano como Eisenhower, que o Japão estava derrotado e render-se-ia se lhe dessem a oportunidade de salvar a face. Os termos em que foi escrito o ultimato de Potsdam indicava a incondicionalidade da rendição, excluindo, portanto, o Imperador. Depois das bombas a rendição deu-se condicionada à manutenção do Imperador, o que reforça o argumento dos que vêm na inépcia do texto de Potsdam a causa da não rendição do Japão, tornando desnecessária, inútil e cruel, o lançamento das bombas.
Há que referir, no entanto, uma questão que nunca é lembrada nestas ocasiões e que poucos conhecem, e que é referida como argumento a favor do lançamento sobre Hiroxima e Nagasaki: o bombardeamento “convencional” de Tóquio meses antes das bombas atómicas, e cujos danos materiais e humanos foram superiores ao das bombas atómicas. Então porque razão as bombas atómicas nos deixam com um repúdio generalizado?
Voltando às bestas, saiba-se que a Igreja, logo no século XII, proibiu o seu uso em guerras entre exércitos cristãos, ordem que, à semelhança da pílula e do preservativo, foi alegremente desobedecida e ignorada por todos. Que se matassem uns aos outros, tudo bem, mas sem aquela arma terrífica, queria a Igreja. E porque era terrífica? Julgo que o problema é o mesmo do das bombas atómicas. A sua grande eficiência. Uma grande eficácia com poucos recursos. O combate feito à custa da força dos soldados parece legitimo. Feito à custa de recursos além da força muscular parece coisa do demónio. Se o argumento valia para o uso das bestas, para o confronto entre bombas atómicas e bombas incendiárias não vale. É só uma questão de custos financeiros.
Em todo o caso, julgo que o vaticínio de Einstein se cumprirá e a força física vingará: a 4ª guerra mundial será feita com pedras e paus!
O que pensarão os mortos?

sábado, 6 de agosto de 2016

NÃO HOUVE CARNAVAL NO RIO


Não houve "só" carnaval! Quem estava à espera de um corso carnavalesco, ou quem apostava no desaire desta organização dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro, desenganou-se. O Brasil está de parabéns!
O espectáculo de abertura pautou-se pela singeleza elegante, de extremo bom gosto, onde o Povo foi protagonista sem nunca se cair no cliché etnográfico, folclórico ou carnavalesco. A simplicidade, elegância e a musicalidade com que se cantou o hino Brasileiro, recorrendo ao mais popular dos instrumentos brasileiros, o violão, foi um extraordinário momento de bom gosto, a que se somou a homenagem à beleza, e sensualidade, porque não dizê-lo, da mulher, numa época em que se tenta apagar toda a diferença sexual. O Brasil é isso: calor, sensualidade, natureza, ritmo, cor, música e modernidade. O recurso às novas tecnologias, o alinhamento, o ritmo e a magnífica encenação, deixaram-me preso à televisão. Não fossem os disparates dos locutores da RTP 1 que não conseguem estar calados quando não há nada para dizer, e teria sido um espectáculo televisivo perfeito.
Houve samba? Houve. Na entrada dos atletas brasileiros, numa apoteose de juventude, e no final, até houve carnaval, numa explosão de cor e alegria.
Houve notas discordantes? Houve. No camarote presidencial! Aquele rosto fechado e comprometido discordava de toda a alegria de um Povo.
Parabéns Brasil, e que Portugal conquiste muitas medalhas, porque uma já tem: a dos primeiros jogos olímpicos falados em português.

terça-feira, 26 de julho de 2016

OS TURCOS E OS GATOS


A única tirania que suporto é a que os meus gatos exercem sobre mim. Partilho com os muçulmanos este amor pelos gatos. Conta-se que o Profeta Maomé, que a paz e bênção de Alá estejam sobre ele, ao ouvir o chamamento à oração, cortou a manga das suas vestes para não incomodar o gato que adormecera sobre ela. Além do amor pelos gatos partilho com o Islão, o gosto pelo convívio da rua. Intriga-me a relação dos homens com a mesquita e com a oração, e o canto do muezzin no alto dos minaretes, maravilha-me. Entre mim e o Islão vai, no entanto, a diferença entre a carta aos Coríntios de S. Paulo (Tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente… 1 Cor 6, 12), a carta aos Romanos (É na nova existência do Espírito que somos servos e não na existência caduca da letra da lei. Rm 7,6) e a tirania da Charia.
Quando visitei Istambul fiquei maravilhado com os gatos da cidade. Há-os por todo o lado. Nas ruas mais movimentadas, nos cafés, nos museus, dentro da própria Hagia Sophia, nos cemitérios. Ao contrário do mundo católico, que pela pobreza de espírito de um Papa os associou à bruxaria, o mundo islâmico reconhece a nobreza do gato aparentado com o leão, a sua limpeza e o seu inestimável serviço como guardião de celeiros. O amor pelos gatos levou os turcos a fundar hospitais para os tratar. Seguindo o conselho de Mark Twain, outro amante de gatos, dispus-me logo a considerar os turcos como amigos e companheiros (quando um homem ama os gatos, torno-me de imediato seu amigo e companheiro sem precisar de qualquer apresentação).
Foi também por isso, pelo respeito aos turcos, amantes de gatos, que visitei o túmulo de Maomé II, o conquistador de Constantinopla, junto à mesquita de Fatih, apesar de representar, na História, “o inimigo”. No tempo em que o Islão era um elemento civilizador, Maomé II conquistou a última capital do velho império romano cujos defensores perdiam tempo discutindo o sexo dos anjos (como hoje). Ao entrar na Igreja de Hagia Sophia, deitou terra sobre o turbante em sinal de respeito. Depois, e sendo ele próprio descendente de princesas gregas, casou com uma fidalga grega (bizantina), deu cargos importantes aos sobrinhos e herdeiros do último imperador bizantino (seus potenciais opositores), chamou a população em fuga e nomeou o patriarca cristão ortodoxo, governador da cidade. Sendo já sultão dos muçulmanos, entendeu manter a grandeza de Roma autoproclamando-se César de Roma, soberano supremo dos cristãos. Não podia deixar de prestar a homenagem devida a tão grande homem. O Islão carece de homens assim. A cristandade (ou o ocidente) também.
Ao contrário de o conquistador de Constantinopla, que soube transformar inimigos em companheiros, Erdogan elimina inimigos e imagina opositores. O seu autoritarismo chega ao ponto de querer acabar com os gatos nas ruas de Istambul.
Erdogan não gosta de gatos!

imagem: cemitério dos monges derviche do mosteiro Mevlevi (sufi) em Galata (Istambul) 

quinta-feira, 21 de julho de 2016

QUEM PASSA POR ALCOBAÇA, NÃO PASSA PARA ROUBAR. OU PASSA?


Gosto muito de hotéis. E também de monumentos. Juntar hotéis e monumentos não é uma ideia nova em Portugal. Desde 1950 que o conceito de pousadas históricas existe com grande apreço da população e da crítica. O Smithsonian Foundation atribuiu às Pousadas de Portugal o prémio anual pelo papel preponderante na defesa do património cultural e do ambiente para fins turísticos.
O mosteiro de Alcobaça, com mais de 800 anos, tem um papel mais do que simbólico na fundação do nosso país, que é pouco reconhecido pelas autoridades e pela população em geral. Para lá da sua importância na fundação e defesa do Estado Português, é lá que está o símbolo maior do nosso amor: os túmulos de Pedro e Inês. Mas representa também o primeiro e, durante muitos anos, o único exemplar da arquitetura gótica. Para além do monumento, a presença dos seus monges na região deixou marcas na agricultura e na engenharia hidráulica.
A brancura das suas pedras, os seus vitrais sem cor, e a falta de ornamentação (se exceptuarmos os túmulos) convidam-nos à ascese. Esse ascetismo obrigou, em remodelações recentes, a uma envolvência exterior despida de ornamentos que não foi compreendida pela maior parte da população que gosta de jardins barrocos. Desconhece, a população e alguma elite, que aquela “limpeza” e despojamento fazem parte da matriz de Alcobaça assente na reforma cisterciense, resumida na sua legenda beneditina: ora et labora (reza e trabalha).
Obras de restauro e adaptação, sempre as houve. A cozinha de Alcobaça, que faz as delícias dos visitantes, não é, ao contrário do que se julga, medieval, mas do século XVIII. Instalar um hotel numa ala e claustro onde ninguém vai e onde ninguém está disposto a investir o dinheiro dos contribuintes, mesmo aqueles que agora rasgam as vestes em protesto, parece-me bem.
Se a Ordem de Cister, fundadora do mosteiro, era, e é, austera e despojada, um Hotel de 5 estrelas não pode sê-lo. 90 quartos de luxo numa terra pequena como Alcobaça só se garantem à custa do prestígio das pedras que os rodeiam e que são de todos nós. Andarmos a trabalhar para o lucro dos outros sempre com o Credo na boca, tal como os monges de Cister, não! Devemos lembrar que esses monges, para além de rezarem e de trabalharem, também pegavam em armas para expulsar os mouros que lhes roubavam as searas.

Pagar 5 000 euros anuais por aqueles claustros, o mesmo (ou menos) que para uma renda de casa familiar, parece-me um despojamento do Estado que deve merecer o nosso mais vivo repúdio, senão mesmo investigação criminal. É que me parece um roubo!