Na
magnífica e bela igreja de S. Pedro em Peniche fizeram um presépio, mimoso e
ingénuo, como devem ser os presépios, e onde os anjinhos aparecem com a foto do
rosto dos meninos que o fizeram. Está lindo, mas causou algum “escândalo”. É
claro que a palavra é exagerada, e se a utilizo é porque me lembrei das
aventuras dos três mosqueteiros e do D’Artagnan que tinham por missão fazer com
que a rainha de França aparecesse no baile com as jóias que imprudentemente
tinha oferecido a um amigo. Se na corte francesa o facto de a rainha aparecer
sem as jóias era um escândalo, num presépio, Nossa Senhora aparecer de brincos
e colar causou, se não escândalo, desagrado de algumas senhoras que ali se
encontravam para ouvir os coros cantarem loas ao Deus menino e a Nossa Senhora.
- Que não, Nossa Senhora não usava brincos e muito menos colares, dizia uma. -
Uma modernice, dizia outra, acrescentando que naquele tempo não havia brincos!
Sem
querer entrar na polémica que opôs Manuel de Oliveira a Agustina Bessa Luís,
sobre a riqueza de Nossa Senhora, tendo Agustina, mulher de luxos e bom gosto,
a defender que sim, Nossa Senhora era rica e demonstrava-o, sempre vou
afirmando às amáveis senhoras que estranharam os brincos, que já nos tempos das
cavernas, as mulheres, e os homens, já agora, usavam brincos e colares, pelo que
está longe de ser uma modernice. Nossa Senhora, nascida no seio de uma família de
judeus, em terra ocupada por romanos, usaria de certeza brincos e colares como as
mulheres da sua tribo, do mesmo modo que cobria a cabeça com o véu. De outro modo
é que seria estranho.
Para provar
o que digo, socorro-me do maravilhoso poema inscrito na Bíblia: O Cântico dos cânticos,
escrito quase mil anos antes de Nossa Senhora nascer, e onde os Padres da Igreja
vêm na mulher do poema, a alegoria da Igreja, amada por Cristo, e que tem Nossa
Senhora como padroeira suprema:
A
uma égua entre os carros do Faraó
eu
te comparo, ó minha amiga.
Formosas
são as tuas faces entre os brincos,
e
o teu pescoço com os colares!
Para
ti faremos arrecadas de ouro
com
incrustações de prata. (Ct 1, 9-11)
Parabéns, pois, a quem fez o presépio da
Igreja paroquial de Peniche, enchendo-o com a beleza de Nossa Senhora entre brincos
e colares (O José também estava bonito com ar jovem, e o menino com frio só de cueirinhos
vestido).