sábado, 20 de outubro de 2018

AMSTERDÃO


Na praça Rembrandt, uma menina toma-se de amores por outra, de bronze, da imitação da “Ronda da Noite” ali lembrada. Fica, de mão dada, conversando com aquela amiga inusitada, protegendo-a dos rapazes que ensaiam lutas de fusil excitados com a preparação dos soldados ali representada, alheios, escultura e menin@s, a ideologias de género. Estamos perante uma obra de arte mesmo que a imitar a original encerrada no museu: os miúd@s gostam!
O que se há de escrever sobre Amsterdão, cidade cujos objetos mais icónicos são a bicicleta, a estação de comboios central, as putas nas montras e o olhar basbaque dos americanos arrependidos de terem substituído Amsterdão por Iorque ao nome da sua maior e mais famosa cidade? Não fosse Van Gogh, Rembrandt e a sala do Concertgebouw com a melhor acústica do mundo e Amsterdão era uma cidade perdida, afogada por hordas de turistas que a transformam numa imensa feira popular. Nas lojas decoradas por lustres brilhantes lembrando aos distraídos o brilho dos diamantes que lhe suja as mãos (e a alma), discute-se a idade dos queijos à venda como quem discute a velhice de um borgonha ou de um porto, esquecendo que uns nasceram do fel de uma cabra e que os outros saíram da rocha nobre doirada ao Sol. Que o queijo e o vinho fazem um casamento perfeito, fazem, mas Amsterdão bebe cerveja e fuma erva.
Sem traços de fidalguia, que a cidade é burguesa e protestante, Amsterdão é linda, simpática, acolhedora, que rapidamente substitui o dialecto local da língua neerlandesa pelo inglês para agradar e receber o estrangeiro. De fachadas simples e estreitas debruçando-se (literalmente) sobre a estreiteza das ruas ladeadas por canais à guisa de uma Veneza sem palácios, encheu-se de flores coloridas, muitas flores, e patos, e cisnes nadando nas águas escuras de aparência metálica. É um gosto passear por Amsterdão!

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

LAS VEGAS E AS VISTAS DAS FLORESTAS


Um reformado dos bombeiros com mulher e dois filhos, e sem que a mulher tenha trabalhado, consegue ter uma casa de luxo com piscina e vista privilegiada num dos bairros mais exclusivos de Las Vegas. O salário mínimo de um espanhol ficará somente 95 euros abaixo do salário de início da carreira de técnico superior da função pública em Portugal.
Era isto que eu gostaria de ver discutido e não as loucas festas que acontecem nas penthouse dos hotéis de Vegas, onde os índices elevados de testosterona (responsáveis pela agressividade masculina mas também pelos bons resultados desportivos) misturados a álcool desaconselham a subida para ver as vistas a escuteiras com défices de atenção (deve ser um fetiche isto das vistas em Vegas), porque toda a gente sabe que uma penthouse em Vegas é o ersatz da floresta do capuchinho vermelho e do lobo mau (Las Vegas fica num deserto, tanto figurado como real).
Como não faço tenção de ir a Vegas ver as vistas sobre o deserto, preferia ver discutido o meu salário e a minha reforma para uma vida modesta com vista sobre a auto estrada.

sábado, 22 de setembro de 2018

LÍDIA JORGE: IGNORÂNCIA OU PRECONCEITO



Ontem, já no adiantado da noite, de regresso a casa ouvi, através do rádio do carro, na Antena dois, Lídia Jorge afirmar que Fernão de Magalhães lutara contra várias forças que se opunham à sua viagem contando-se entre elas a Igreja que à data, no dizer da escritora, advogava que a Terra era plana. Fiquei siderado com a ignorância demonstrada pela professora e escritora.
Bem sei que Lídia Jorge não é professora de ciências, mas cursou filologia românica pelo que estudou latim, literatura e os aspectos culturais dos Povos. Era suposto que soubesse mais sobre a história da Igreja, determinante na vida e cultura europeias, e a sua acção em prol da Ciência desde logo com a fundação da Universidade. Ficou-me, no entanto, a dúvida se o erro crasso se devia a ignorância se ao preconceito se a ambos.
A esfericidade da Terra está estabelecida desde, pelo menos, o tempo dos gregos, tendo Aristóteles, sábio que a Igreja sempre prezou e divulgou, referido o globo terrestre no seu tratado “Sobre o Céu”. Erastóstenes (276 aC-194 aC) chegou mesmo a calcular a sua circunferência que se provou estar muito próxima à calculada pelos modernos instrumentos da nossa tecnologia. Estrabão, um geógrafo grego, chegou a afirmar que um navegador poderia chegar à Índia saindo de Espanha e navegando para Oeste em uma semana! Santo Ambrósio e Santo Agostinho referem-se à esfera terrestre e o monge cristão Cassiodoro obrigava os monges à leitura de Ptolomeu com as suas considerações sobre a esfericidade da Terra. Tudo isto antes do ano 1000 da nossa era. Depois veio Bacon, Alberto Magno e João de Sacrobosco que escreveu o “Tratado da Esfera”. Cristóvão Colombo acabou por ler isto tudo no conjunto de tratados sobre a esfericidade da Terra escrito pelo cardeal Pierre d’Ailly (que afirmava a rotação da Terra antes de Copérnico). Portanto não só a Igreja acreditava na esfericidade da Terra desde o tempo dos seus primeiros pensadores como essa crença influenciou e levou à viagem de Colombo. E aqui demonstra Lídia Jorge a sua grande ignorância quando fala sobre o assunto. É que se dúvidas pudesse haver sobre a esfericidade da Terra elas colocar-se-iam antes da viagem de Colombo e nunca antes da viagem de Magalhães trinta anos depois.
Se Lídia Jorge, por preconceito ou outro motivo qualquer, não se interessa pela história da Igreja, podia ao menos ter tentado perceber por que razão Carlos Magno, “devoto defensor e humilde servo da Santa Igreja”, usou no século IX como símbolo do seu poder sobre a Terra, um globo esférico encimado por uma cruz.

imagem: Ilustração de Carlos Magno datada de cerca de 1450 (Imagno/Getty Images)

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

CULTURA À ZÉ DO PIPO


Fui a uma festa de verão tão ao gosto da época. A abrir o espectáculo, o rancho de Alvorninha mostrou-nos o que se entendia, nos idos do século de Eça e Camilo, por cultura popular: Da bruteza do trabalho do campo, só aligeirado pela elevação do espírito ao som das “ave marias” na torre da Igreja, saía a elegância, a sensibilidade e a sensualidade do movimento dos corpos na dança a despertar o erotismo de uma castidade que precisava de pau-de-cabeleira para a guardar. A música descia dos salões ao arraial, que o povo até dançava mazurkas polacas trazidas a par das baionetas dos soldados de Napoleão que sonhou uma Europa debaixo da sua garra: dançava-se a mazurka de Cabo Verde aos Urais.
Terminada a preleção de um tempo perdido a deixar saudades, eis que do microfone sai a voz do inenarrável “enche chouriços” que a Câmara das Caldas tem para estas ocasiões, anunciando um ícone da atual “cultura popular” que canta, no dizer do apresentador, com alegria porque para tristezas já basta (toda a gente sabe a tristeza que causam um Bach, um Tavares Belo, ou uma mazurka trazida pela guerra…). Depois de tecer loas aos eleitos que governam a cidade e que jantavam ali mesmo, lembrou ao povo a sorte que tinham por tais políticos que assim alargaram os cordões à bolsa para dar tal bodo aos pobres, e rematou prometendo surpresas deliciosas relacionadas com o desapertar da braguilha das calças de um locutor da rádio local. E as luzes prepararam-se para a entrada de Zé do Pipo (o tal ícone), que irrompe no palco com as suas meninas, atrasado em relação ao anúncio do apresentador resultando numa apoteose pífia perante o delírio basbaque de um povo que já se esqueceu de cantar e dançar porque agora só vai a “concertos”, e por isso se julga mais culto que os avós. Do que se prometia nada se cumpriu: nem cultura nem alegria. Não houve erotismo, mas falta de sensualidade, a elegância tropeçou na parafernália acústica e luminosa, e a graça rimou com desgraça. A música foi indigente, sem a qualidade da antiga música popular, a ritmar uma dança pouco casta que nem para pornografia serve. Chunga é o adjetivo certo para esta “cultura” (não cheguei a ver aquela coisa da braguilha, o que me prejudica a formação cultural). Ao contrário do que tinha dito o locutor de serviço que prometeu cultura e alegria, foi toda uma tristeza que me causou profunda depressão. A quem mando a conta da fluoxetina? Apetece dizer: Puta que pariu esta “cultura popular”!

sábado, 28 de julho de 2018

A BELEZA DE UM VEREADOR

Ricardo Robles é um homem bonito. Com nome a lembrar heróis da guerra de África. E é do Bloco. Uma fofura. Talvez seja o que explica as dolorosas cenas que no espaço de um dia fui obrigado a assistir: dirigentes femininas do Bloco e uma escritora, inflamando-se a defendê-lo do ataque insano dos jornalistas de economia que, como todos sabem, são de direita.
A nenhuma vi explicar ao moço a catequese que se ensina nos acampamentos de verão do Bloco: “Direito à boémia: Necessidade de vida noturna para produção e radicalização cultural“; “Desobediência Civil”; e a mais interessante: “A propriedade é o roubo: socialização dos meios de produção”.
A nenhuma delas vi perguntar ao moço de belos olhos por que razão, sendo na altura deputado municipal por Lisboa, não arengou na sessão contra o esbulho do património imobiliário do Estado que só estando nas mãos do Estado pode escapar à lógica da especulação imobiliária, porque é imoral e injusta, opiniões que partilho com o Bloco, ou não levou à letra os ensinamentos do Bloco e não acampou às portas da Segurança Social com um grupo de escuteiros do último acampamento bloquista para impedir a agora famosa hasta pública, em treino de desobediência civil. Em vez disso comprou por tuta e meia aquilo que já se sabia valer um dinheirão.
Agora, depois de gastar quase um milhão, só lhe restam três coisas: Vender pelo valor do mercado e ficar milionário e sem alma; vender a um preço justo que lhe devolva o investimento gasto e um lucro moralmente legítimo mas deixar que outros depois vendam por cinco vezes mais, ficando com cara de totó; ou arrendar àqueles que sempre habitaram Alfama, que são a sua alma, e que construíram ao longo dos séculos a sua fama e peculiaridade que agora atrai gulosos especuladores. Ao fazê-lo, arrendar a preços populares, fará o que durante muito tempo algumas famílias fizeram: empatar capital e esperar pelo seu retorno durante anos. Coisa que nunca veio porque Salazar manteve as rendas congeladas pela 1ª república (Salazar não alinhava com a especulação, tal como o Bloco).
Eu, que ao contrário das moças do Bloco e escritoras românticas não me comovo com os belos olhos do senhor vereador, deixo-lhe uma ideia, já que os problemas familiares o impedem de empatar capital. Venda! Para não cair na teia da especulação, arranje uma cooperativa que lhe devolva o dinheiro gasto e mais um apartamento e mais outro para a mana, e venda o resto a preços justos para famílias com filhos (quero ver Alfama cheia do chilrear de garotos a pedir tostões pelo Santo António), com uma cláusula no contrato que impeça a venda especulativa pelo menos por vinte anos. Com certeza haverá advogados no bloco que lhe possam explicar como se faz. Talvez o irmão do outro vereador Fernandes que é como a dona Constança: não há festa nem festança que lá não esteja, lhe possa escrever o contrato. E depois vá passear os lindos olhos pelos arraiais para ouvir os pregões que as moças casadoiras lhe irão lançar: “ai que santinho, minha nossa senhora”.

sexta-feira, 9 de março de 2018

AS PONTES DE LISBOA


Agora que dizem que a ponte está tremeliques, vem o PCP a defender uma nova ponte entre o Barreiro e o Beato, e não está sozinho nesta sua defesa. E eu acho que a matemática faz falta ao PCP e aos restantes políticos deste país. Vamos às contas:
Lisboa tinha, em 1981, 807 997 habitantes. Nos últimos censos de 2011, já só tinha 547 733 habitantes. “Desapareceram” 260 264 habitantes, e não foi na guerra do Ultramar. Se em vez de se fazer uma ponte porque não se arranjam formas de fazer “retornar” esses 260 264 habitantes?
Por curiosidade, Sevilha tem 703 206 habitantes.
O Barreiro? Tem 78 764 habitantes. Cabiam ali todos ao Beato, Jerónimo de Sousa. Deixem as pontes em paz.
Istambul tem uma situação geográfica parecida à de Lisboa, com a sua área metropolitana a estender-se entre as duas margens do Bósforo, mas tem 13 vezes mais população que a área metropolitana de Lisboa. Para ser igual a Lisboa em pontes, teria de ter 26, mas só tem 3 (uma a mais de Lisboa), com a terceira novinha a estrear.
Com o retorno dos habitantes a Lisboa, havia imensos ganhos ambientais com a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Com uma ponte nova aumentaria essa emissão, para além da ameaça ambiental sobre o Tejo.
O que é que os “Verdes”, satélite do PCP, têm a dizer, agora que o PAN anda ocupado com o “ambiente” da restauração?